Imagem: Thamires Jabbur
Como a cantora montada por um jovem do interior de São Paulo vem quebrando as barreiras de gênero em um terreno onde ainda predomina a existência de estereótipos masculinos
Por Thamires Jabbur* e Geovanna Nogueira**
A Arte Drag corresponde à expressão artística da performance de gênero. Montar-se, significa subverter a ordem do que se entende pelos padrões de gênero, demonstrando que estes não passam de construções sociais historicamente formadas e, logo, passíveis de contestação.
A Arte Drag se popularizou no Brasil entre os anos 80 e 90 – mas antes desse período, ainda durante a ditadura, já havia um grupo teatral muito influente nesse tipo de arte, o Dzi Croquettes -, então denominada Arte Transformista, e sempre esteve muito ligada ao movimento LGBTQIA+ por ser produzida e consumida na maioria das vezes por esse público.
O ato de montar-se como Drag Queen por si só já representa grande resistência em relação às normas; montar-se para performar a partir da música sertaneja, um gênero historicamente predominantemente patriarcal e heteronormativo, é ainda mais desafiador.
Esses desafios não intimidam o movimento queernejo, entendido como a quebra do paradigma de gênero e sexualidade no âmbito da música sertaneja, muito bem representado pela cantora e compositora Reddy Allor, montada pelo jovem artista Guilherme Bernardes, morador da cidade de São José do Rio Preto, que fica a 442 quilômetros de distância da cidade de São Paulo, com quem tivemos a honra de conversar durante o encontro da ação Juventudes: arte e território, do Sesc São Paulo.
No encontro, descobrimos que a música sertaneja esteve presente na vida de Guilherme desde a infância, quase como um legado familiar. Ele iniciou sua carreira aos 12 anos de idade, inicialmente como dupla com seu irmão Gabriel, com quem se manteve até 18 anos de idade, quando iniciou sua carreira solo como Reddy Allor.
Conversando com Reddy, ela respondeu diversas perguntas que nos ajudaram a conhecê-la melhor e compreender o seu papel de vanguarda da música sertaneja, além de nos presentear com a performance de algumas músicas: desde autorais até clássicas. Quando questionada sobre a curiosa particularidade de ser uma Drag Queen do sertanejo, haja vista que predominantemente essa arte está associada com a Cultura Pop, Reddy Allor alega que “precisamos falar sobre nossas experiências como pessoas LGBT, principalmente porque como artista, as pessoas estão em um lugar onde podem ser inspiradas por meu trabalho. A militância, minhas letras e discursos são necessários”.
Para a artista, a escolha de disputar um lugar na música sertaneja, que é muito conservadora e tradicional, é um ato político de ocupação dos espaços. E nessa escolha, a territorialidade também tem papel central. Isso porque, em sua cidade, a música sertaneja é bastante expressiva: “Minha cidade é bem diferente de São Paulo, por exemplo, é uma cidade pequena, mais conservadora. Mas é minha cidade, preciso fazer meu discurso chegar às pessoas daqui, ser uma drag queen que canta sertanejo é um processo de desconstrução tanto para mim quanto para as pessoas que vêem meu trabalho. O relacionamento com a cidade tem sido muito bom e positivo, porque tenho uma rede de apoio, amigos, família e a comunidade LGBT local que apoiam meu trabalho”.
O encontro com Reddy, nos faz pensar sobre como a produção artística de um determinado território deve ser compreendida não apenas como resultante das relações sociais, mas também como reflexo da sociedade. Em uma cidade como São José do Rio Preto, onde a cultura tem espaço em diversos eventos durante o ano – com festivais de teatro, festas de música popular e de música sertaneja, além de eventos ligados à cultura dos povos tradicionais e de literatura, o surgimento de uma artista como Reddy Allor é fruto dessa efervescência cultural, ao mesmo tempo em que representa a quebra de padrões sociais e de gênero em um terreno onde ainda predomina a existência de estereótipos masculinos.
Diante dessas relações e tensionamentos, fica evidente o papel imprescindível que Reddy Allor e outres artistas ‘fora dos padrões’ têm na diversificação, não apenas no âmbito cultural, mas também no balanço das disputas sociais a partir de seus territórios para o mundo.
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Esse texto faz parte da cobertura educomunicativa da edição 2021 da ação Juventudes – Arte e Território do Programa Juventudes do Sesc São Paulo. Um grupo de jovens da Viração Educomunicação acompanhou a série de encontros virtuais com artistas e coletivos proposta e compartilhou algumas das reflexões e atravessamentos provocados a partir destes encontros em textos e peças gráficas.
*Thamires Jabbur tem 19 anos, é estudante de Geografia e Jovem Monitora Cultural; moradora da Zona Sul de São Paulo.
**Geovana Nogueira tem 18 anos, mora na Zona Sul de São Paulo e é estudante em busca do sonho de cursar Direito para representar as lutas nas quais acredita e contribuir com a sua quebrada.
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