“Como encantar nossos medos e nos colocarmos no coletivo, próximos uns dos outros?”
Com o intuito de proporcionar acesso a produções coreográficas recentes, o Sesc Pinheiros apresenta entre os meses de março e abril, dois espetáculos de dança, Encantado e Fúria, com direção de Lia Rodrigues, artista, coreógrafa e fundadora da Companhia de Dança que leva seu nome.
A estreia nacional de Encantado, mais novo espetáculo da diretora, e a apresentação de Fúria, criado em 2018 no Centro de Artes da Maré, no Rio de Janeiro, sede da companhia, são verdadeiros convites para o público experienciar composições artísticas compostas por temáticas contemporâneas. A primeira faz temporada de 17 de março a 10 de abril; já Fúria fica em cartaz nos dias 14, 16 e 17 de abril.
Encantado estreou em dezembro de 2021 no Festival d’Automne de Paris, fazendo temporada em dois teatros da capital francesa dos quais Lia Rodrigues é artista associada: Teatro Nacional de Chaillot e o LeCenquatre.
A produção surgiu no contexto da crise sanitária provocada pelo COVID-19 e nasceu do desejo de usar a magia e a encantação como guias para conduzir o processo criativo que acontece nesse momento dramático em que vivemos no Brasil.
A palavra “encantado”, do latim incantatus, designa algo que é ou foi objeto de encantamento ou de feitiço mágico. ‘Encantado’ é também sinônimo de maravilhado, deslumbrado ou fascinado e também uma expressão de cumprimento social.
No Brasil, a palavra tem ainda outros sentidos. O termo se refere às entidades que pertencem a modos de percepção de mundo afro-ameríndios. Os ‘encantados’, animados por forças desconhecidas, transitam entre céu e terra, nas selvas, nas pedras, em águas doces e salgadas, nas dunas, nas plantas, transformando-os em locais sagrados.
Como encantar o que nos cerca, imagens, danças e paisagens e transformá-las em nossos corpos e ideias? Como entrar em encantamento e nos acoplarmos, nós e o ambiente, em arranjos variados e ir ao encontro dos seres viventes em toda a sua diversidade?
Encantados são seres que atravessam o tempo e se transmutam em diferentes expressões da natureza. Não experimentaram a morte, mas seguiram em outro plano, ganhando atribuições mágicas de proteção e de cura. Deste modo, as ações predatórias que ameaçam a vida na Terra, a destruição sistemática das florestas, dos rios e do mar impactam também a existência dos Encantados. Não há como separar os encantados da natureza ou a natureza desses seres.
A obra Fúria, premiada pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes em 2019, também teve estreia realizada em Paris, na França.
Em Fúria, um mundo povoado de imagens de dor, beleza, violência, opressão e liberdade se constrói e se desmancha sem trégua, diante dos olhos do público. A obra expõe a ideia da reinvenção de um corpo social a partir das suas energias primitivas.
Durante o espetáculo, os corpos dos intérpretes da companhia se destacam e se perdem em meio às roupas, sacos plásticos, rejeitos, em uma mistura de cores, formas e texturas. Um trecho de uma música tradicional dos povos indígenas Kanak, da Nova Caledônia, repetido infinitamente, acompanha grande parte da performance.
“Como espiar o tempo em um mundo dominado por uma infinidade de imagens contrastantes – medonhas e belas, sombrias e luminosas – atravessadas por uma infinidade de perguntas não respondidas e perpassadas por contradições e paradoxos? Como espiar o tempo em um mundo de fúria?” Esses são alguns dos questionamentos que Lia destaca como desencadeadores da obra.
Com elenco formado em sua maioria por artistas da periferia, o espetáculo reafirma a necessidade de representatividade e engajamento no Brasil contemporâneo.
Sobre as ações sanitárias da Lia Rodrigues Cia de Danças durante a COVID-19
Encantado foi criado entre abril e novembro de 2021, em plena crise sanitária. Como todos os projetos da Companhia desde 2004, essa peça foi concebida no Centro de Artes da Maré, no Rio de Janeiro, instituição criada e dirigida pela Redes da Maré e pela Lia Rodrigues Cia de Danças em 2009.
Durante esse período, a companhia se alinhou à campanha “A Maré diz NÃO ao Coronavírus”, da Redes da Maré, que durante 2020 e 2021 colocou em prática ações contra o coronavírus na região, atendendo 17 mil famílias da região que vivem em extrema pobreza.
O Centro de Artes da Maré , um lugar para as artes que tem dois palcos magníficos, ocupou esses espaços com cestas básicas que foram distribuídas por muitas pessoas, unindo dessa forma arte, cultura e sociedade.
“E como conseguimos recursos para trocar o telhado do Centro de Artes e instalar energia solar, essa obra também aconteceu no nosso período de criação. Por conta das chuvas dentro do espaço, precisamos refazer o nosso palco de madeira algumas vezes.
Tudo isso fez e faz parte do nosso dia a dia de ensaio”, complementa a coreógrafa, ressaltando também os protocolos de proteção adotados pela companhia, como uso de máscara, distanciamento, todos os artistas se locomovendo de Uber ou táxi para evitar a possibilidade de contaminação no transporte público, além de uma pessoa encarregada da higienização do palco, banheiro e espaço de alimentação que trabalhou durante todo o período de ensaios. Para finalizar, testes de COVID-19 eram realizados todas as semanas.
“Foi um longo processo para fazer Encantado acontecer. Já no final de 2019 comecei a elaborar um possível caminho para uma nova criação com leituras, encontros e pesquisas. Um processo bastante solitário para preparar o encontro com os artistas posteriormente para os ensaios presenciais”, conta Lia.
Ela reforça que isso só foi possível graças ao apoio concreto de várias instituições europeias, parcerias conquistadas ao longo do tempo. A companhia tem 32 anos e Lia começou a se apresentar na Europa em 1994. “É uma construção de confiança , troca, muitas atividades não somente artísticas, mas também de formação de público, aulas, palestras e encontros. Assim é sempre necessário persistência e, claro, muito muito trabalho.”, diz.
Ficha Técnica – Encantado
Criação: Lia Rodrigues
Dançado e criado em estreita colaboração com Leonardo Nunes, Carolina Repetto, Valentina Fittipaldi, Andrey Da Silva, Larissa Lima, Ricardo Xavier, Joana Lima, David Abreu, Matheus Macena, Tiago Oliveira, Raquel Alexandre
Assistente de criação: Amália Lima
Dramaturgia: Silvia Soter
Colaboração artística e imagens: Sammi Landweer
Criação de luz: Nicolas Boudier com assistência técnica de Baptistine Méral e Magali Foubert
Operação de luz: Jimmy Wong
Trilha sonora/mixagem: Alexandre Seabra (a partir de trechos de músicas do povo GUARANI MBYA/aldeia de Kalipety da T.I. Tenondé Porã, cantadas e tocadas durante a marcha de povos indígenas em Brasília em agosto e setembro de 2021 contra o ‘marco temporal ‘, uma medida inconstitucional, que prejudica o presente e o futuro de todas as gerações dos povos indígenas).
Produção e difusão: Colette de Turville com assistência de Astrid Toledo
Administração França: Jacques Segueilla
Produção Brasil: Gabi Gonçalves / Corpo Rastreado
Produção e idealização do projeto Goethe-Institut: Claudia Oliveira
Secretária: Glória Laureano
Professores: Amalia Lima, Sylvia Barretto, Valentina Fittipaldi
Uma coprodução de Scène nationale Carré-Colonnes; Le TAP – Théâtre Auditorium de Poitiers; Scène nationale du Sud-Aquitain; La Coursive – Scène nationale de La Rochelle; L’empreinte, Scène nationale Brive-Tulle; Théâtre d’Angoulême Scène Nationale; Le Moulin du Roc, Scène nationale à Niort; La Scène Nationale d’Aubusson; Kunstenfestivaldesarts (Brussels); Brussels, Theaterfestival (Basel); HAU Hebbel am Ufer (Berlin); Festival Oriente Occidente (Rovereto); Theater Freiburg; l’OARA – Office Artistique de la Région Nouvelle Aquitaine; Julidans (Amsterdam); Teatro Municipal do Porto; Festival DDD, dias de dança; Chaillot – Théâtre national de la Danse (Paris); Le CENTQUATRE-PARIS; e Festival d’Automne à Paris.
Com apoio de FONDOC (Occitanie)/França; Fundo internacional de ajuda para as organizações de cultura e educação 2021 do ministério federal alemão de Affaires étrangères, do Goethe-Institut et de outros parceiros; Fondation d’entrepriseHermès/França, com a parceria de France Culture
Lia Rodrigues é artista associada do Théâtre national de la Danse (Paris); Le CENTQUATRE-PARIS
Uma produção da Lia Rodrigues Companhia de Danças com apoio da Redes da Maré (Campanha “A Maré diz não ao Coronavírus – projeto Conexão Saúde”) e do Centro de Artes da Maré .
Agradecimentos: Thérèse Barbanel, Antoine Manologlou, Maguy Marin, Eliana Souza Silva, equipe do Centro de Artes da Maré.
“Encantado” é dedicado para Olivier.
Ficha técnica – Fúria
Criação: Lia Rodrigues
Assistente de criação: Amália Lima
Dançado e criado em estreita colaboração com: Leonardo Nunes, Carolina Repetto, Valentina Fittipaldi, Andrey Silva, Larissa Lima, Ricardo Xavier, Joana Lima, David Abreu, Matheus Macena, Tiago Oliveira, Raquel Alexandre
Também criado por: Felipe Vian, Clara Cavalcante, Karoll Silva
Dramaturgia: Silvia Soter
Colaboração artística e imagens: Sammi Landweer
Criação de Luz: Nicolas Boudier
Operação de Luz: Jimmy Wong
Produção e difusão internacional: Colette de Turville
Produção e difusão Brasil: Gabi Gonçalves/ Corpo Rastreado
Secretária/administração: Glória Laureano
Professoras: Amália Lima, Sylvia Barreto
Coprodução: Chaillot – Théâtre national de la Danse, CENTQUATRE-Paris, Fondation d’entreprise Hermès dans le cadre de son programme New Settings, Festival d’Automne de Paris, MA scène- nationale, Pays de Montbéliard, Les Hivernales – CDNC (França); Künstlerhaus Mousonturm Frankfurt am Main, Festival Frankfurter Position 2019 –BHF-Bank-Stiftung, Theater Freiburg, Muffatwerk/Munique (Alemanha); Kunstenfestivaldesarts, Bruxelas (Bélgica); Teatro Municipal do Porto, Festival DDD – dias de dança (Portugal).
Uma realização da Lia Rodrigues Companhia de Danças com o apoio da Redes da Maré e do Centro de Artes da Maré.
Lia Rodrigues é uma artista associada ao Chaillot-Théâtre national de la Danse e ao CENTQUATRE, França.
Agradecimentos: Zeca Assumpção, Inês Assumpção, Alexandre Seabra, Mendel Landweer, Jacques Segueilla , equipe do Centro de Artes da Maré e da Redes da Maré.
SERVIÇO
Fúria e Encantado | Lia Rodrigues Companhia de Danças
Local: Teatro Paulo Autran (1010 lugares) – R. Pais Leme, 195 – Pinheiros, São Paulo – SP, 05424-150
Encantado
De 17 de março a 10 de abril de 2022.
Quinta a sábado, às 21h. Domingos, às 18h
Ingressos: R$ 40 (inteira), R$ 20 (credencial plena/meia)
Duração: 60 minutos
Classificação: 16 anos
Fúria
Dias 14, 16 e 17 de abril de 2022
Quinta e sábado, às 21h. Domingo, às 18h
Ingressos: R$ 40 (inteira), R$ 20 (credencial plena/meia)
Duração: 70 minutos
Classificação: 16 anos
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