por Ariane Carvalho da Cruz*
Formado por significativa diversidade biológica e cultural, o Vale do Ribeira, território singular no contexto do Estado de São Paulo, se apresenta como um ambiente que guarda e preserva uma fonte inesgotável de saberes, que fundamentam as expressões e o modo de vida dos diversos povos que habitam a região.
Principiamos aqui uma breve narrativa, a partir do diálogo com lideranças de quatro aldeias, sobre os saberes e fazeres das comunidades indígenas Guarani Mbya, bem como suas relações com o território. Para isso, a partir daqui, deixaremos de entender esta região como apenas “O Vale do Ribeira” e – buscando por alguns instantes trocar as lentes do nosso olhar ocidental e colonizado – passaremos a enxergá-la através da cosmovisão Guarani como Yvyrupa: termo utilizado pelos povos Guarani Mbya para definir tanto seus territórios tradicionais quanto para referir-se ao Planeta Terra, no sentido mais amplo.
Antes, não havia fronteiras nem territórios demarcados e isolados. Quando se pensa em Yvyrupa, se pensa a Terra como um ser vivo e um vasto território, onde todos os povos poderiam ocupar e transitar livremente, possibilitando a existência de suas culturas em todas as partes. Mas o mundo contemporâneo construiu fronteiras e linhas imaginárias que dão donos às terras.
A formação de Tekoa – lugar onde acontece o modo de vida Guarani – e o reconhecimento das terras indígenas é o meio pelo qual, a partir de conhecimentos e práticas ancestrais, os Guarani Mbya lutam, ao longo da história, pela preservação de sua cultura e da natureza. Assista abaixo ao vídeo das comunidades Takuari e Pindoty:
De acordo com sua cosmovisão, a vida humana não possui a natureza, pelo contrário: a vida humana é parte da natureza. O sagrado está presente em tudo que vive, bem como o território é sagrado, pois nele habitam seres sagrados. Tudo é feito e tocado com respeito e respeitando o ciclo da natureza. Há o tempo certo para todas as coisas: tempo de plantar, caçar e construir.
O saber e o fazer dos Guarani Mbya se dá em seu território. É nele que se forja toda sequência da aprendizagem da sua cosmovisão, que é passada de geração à geração: dos Xeramõi, anciãos que guardam toda a sabedoria e tradição, aos kyringue, crianças, que representam a continuidade da sua cultura e do seu modo de vida. É no território também que está o poder para aplicar seus conhecimentos ancestrais e garantir sua subsistência.
A subsistência dos povos Guarani se dá, em primeiro lugar, pela preservação ambiental. Para que haja caça e pesca, é preciso cuidar de onde estão estes recursos, respeitar seus ciclos de vida e reprodução. É preciso preservar as florestas, pois elas são abrigos para os mba’emo ka”aguy regua (os animais silvestres – sagrados) e fonte de alimento.
Além da caça, pesca e coleta de frutos e sementes, as comunidades também realizam plantios, por meio das roças tradicionais e coletivas, bem como o plantio de árvores frutíferas, que além de garantir a base da sua alimentação, também preservam uma infinidade de sementes tradicionais e crioulas. Daí a importância do reconhecimento e demarcação das terras indígenas, que garante não só a existência objetiva, como também toda uma subjetividade que é traduzida pela cosmovisão.
O calendário Guarani é dividido em dois tempos:
É na primavera (Ara-pyau) que são realizados os rituais do plantio, onde se dá o universo do conhecimento Guarani. É nesse período que são realizados, de forma coletiva, todo processo de tratamento do solo, plantio, construções dos espaços coletivos e casas para as famílias. Tudo que é produzido, coletado e arrecadado é feito e distribuído de forma coletiva para a comunidade. Assista abaixo ao vídeo da comunidade Ambá Porã:
Em busca de conhecer e compartilhar esses saberes, compartilhamos os vídeos “Território e Ancestralidade”, uma ação do programa de Diversidade Cultural: Povos Indígenas do Sesc – SP, que, com o protagonismo de quatro comunidades indígenas do Vale do Ribeira, buscam mostrar ao público uma pequena parte da cosmovisão¹ dos povos Guarani Mbya e seu Nhandereko (seu modo de ser).
Comunidades Indígenas Guarni Mbya participantes:
– Tekoa Pindo-ty – Pariquera-Açu, SP
Fundada em 8 de maio de 1998, com 7 famílias com 33 pessoas. A comunidade era liderada pelo Cacique Ângelo Silveira. Atualmente, a comunidade está formada por 20 famílias, com 83 pessoas. Tem como Cacique Werá Mirim (Renato da Silva Mariano).
– Tekoa Takuari – Eldorado, SP
Formada em 2013, foi após o processo de compensação pelos impactos gerados pela construção do Rodoanel Mário Covas. O governo do estado implementou a medida diante da ocupação significativa de terras Indígenas e do Parque Estadual da Serra do Mar, na região sul da cidade de São Paulo. Atualmente é formada por 33 famílias, que somam aproximadamente 160 habitantes, liderada pelo Cacique Verá Tupã Popygua (Timóteo da Silva Verá Tupã Popygua).
– Tekoa Peguaoty – Sete Barras, SP
Fundada em fevereiro de 2000, pelo Cacique Ailton Garcia, com 3 famílias de 23 pessoas. Atualmente, a comunidade tem como Cacique, Luiz Euzébio, e é formada por 10 famílias de 60 pessoas. Referências: POPYGUA, Timóteo da Silva Verá Tupã; EKMAN, Anita (Org.). Yvyrupa: A Terra Uma Só. 1ª Ed. São Paulo; Editora Hedra, 2017.
– Tekoa Amba-Porã – Miracatu, SP
Fundada em 12 de outubro de 2004, por 3 famílias, com 16 pessoas. Atualmente, conta com 18 famílias, de 97 pessoas, e é liderada pelo Cacique Nilo Rodrigues (Vera Mirim).
** Depoimentos enviados por áudio e vídeo dos caciques: Verá Tupã Popygua (Timóteo); Werá Mirim (Renato), Luiz Euzébio e Vera Mirim (Nilo Rodrigues).
* Ariane Carvalho da Cruz: Graduada em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de São Paulo e Técnica em Meio Ambiente pela ETEC Getúlio Vargas. Atua como agente de Educação Ambiental no Sesc São Paulo, na unidade de Registro.
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