Conhecida por sua voz singular e experimental, Tetê Espíndola comemora o alcance de novos públicos ao celebrar 50 anos de carreira
Leia a edição de JANEIRO/25 da Revista E na íntegra
Por Lígia Scalise
Dona de um dos agudos mais marcantes da música brasileira, Tetê Espíndola voltou a ocupar as paradas musicais de maneira surpreendente. Recentemente, a canção “Escrito nas estrelas”, gravada por ela em 1985, entrou para o “TOP 100 Brasil” e alcançou o topo da playlist “Viral 50”, ambas listas do tocador de áudio Spotify que ranqueiam as tendências musicais do momento. A redescoberta do hit da “cantora que tem pássaros na garganta”, como a definiu o poeta Augusto de Campos, se deu após a ex-jogadora de vôlei Marcia Fu entoar os versos da canção durante um reality show na TV. Nas redes sociais, a artista sul-mato-grossense comemorou o sucesso inesperado, atribuindo à força dos algoritmos o fato de sua voz poder alcançar novas gerações e dar holofote à sua já consolidada carreira.
Agora, Tetê celebra o resgate de sua música e revisita as lembranças musicais que a trouxeram até aqui, como as serenatas de grupos paraguaios em sua casa, na infância, e a voz da mãe nas noites estreladas sem energia elétrica. Foi em casa, com os pais, que Tetê recebeu o maior incentivo para seguir pelo caminho da música, cantando, compondo e tocando sua craviola (instrumento musical de seis, dez ou doze cordas, cujo nome vem da junção de “cravo” e “viola”). Ainda adolescente, ela formou o grupo Luz Azul, com seus irmãos, tocando em palcos de Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT). Aos 14 anos, venceu seu primeiro festival e, em 1977, deixou a faculdade de pedagogia e migrou para a capital paulista com os irmãos, em busca de oportunidades. Foi então que lançou seu primeiro disco, Tetê e o Lírio Selvagem, em 1978.
O tom singular de sua voz, algo que Tetê alcançou escutando o som dos pássaros pantaneiros, fez dela uma sensação, principalmente depois de vencer o “Festival dos Festivais”, da Rede Globo, em 1985, quando interpretou “Escrito nas estrelas” no palco do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro (RJ). O sucesso do hit inspirado na história de amor entre Tetê e Arnaldo Black [coautor da canção junto a Carlos Rennó] fez com que ela dominasse rádios e programas de TV, fincando sua presença na MPB.
Tetê não fez história somente na música, mas também no cinema, tendo atuado nos filmes Mônica e a Sereia do Rio (1987), de Maurício de Sousa, e Caramujo-Flor (1988), de Joel Pizzini, com Almir Sater, Aracy Balabanian, Ney Matogrosso e artistas conterrâneos. Hoje, com quase cinco décadas de carreira, 20 álbuns lançados e um histórico de parcerias e coletâneas, Tetê continua a produzir suas inquietações artísticas. Nos palcos, apresenta shows que celebram seus 70 anos de vida e a consagração de uma trajetória de sucesso. Neste Depoimento, Tetê Espindola resgata recordações e aproveita para dar seu recado: “Quero fazer muitos shows até meus 80. E quem vai ao meu show, vai me escutar cantando “Escrito nas estrelas” no meu tom original, isso eu garanto”.
disquinho
Nasci em Campo Grande (MS) e, em casa, a conexão com a natureza e a música sempre foi muito forte. Meu pai recebia serenatas de grupos paraguaios, e minha mãe passava os dias cantando para os oito filhos. Lembro bem a cena: sem eletricidade, mamãe colocava todos sentadinhos à luz de velas e a gente cantava junto. Ela adorava as cantoras de rádio, como Dalva de Oliveira (1917-1972), e Elis Regina (1945-1982), e isso me marcou profundamente. Outra lembrança forte são as férias na casa da minha avó, em São Paulo (SP), quando eu me escondia debaixo do piano para ouvir meus tios trigêmeos tocarem. Segundo minha mãe, eu cantei pela primeira vez ainda na barriga dela. Reza a lenda que ela ouviu um som forte vindo de dentro, o que a assustou e a alertou de que era hora de eu nascer. Quando bebê, me apelidaram de Disquinho, porque eu chorava sempre no mesmo tom. “Vira o disco”, diziam, mas parece que eu já gostava de soltar meus agudos.
pássaros
Decidi ser cantora depois de conhecer Elis Regina em uma visita que ela fez aos meus tios. Eu tinha 10 anos e já adorava brincar de fazer dublagens e pequenos shows para a família, mas ao ver Elis de perto, fiquei completamente impressionada com sua presença e aquele sorrisão que só ela tinha. Foi ali que decidi: queria ser cantora, queria ser como Elis Regina. Meus primeiros passos na música começaram dando voz às composições do meu irmão, Geraldo Espíndola. Aos 14, ganhei o prêmio de melhor intérprete em um festival em Campo Grande. Continuei fazendo shows com meus irmãos enquanto estudava pedagogia, planejando ser professora. Mas antes de terminar a faculdade, resolvi arriscar a carreira musical em São Paulo. Fiz da natureza minha escola e, escutando o som dos pássaros e tocando minha craviola, comecei a compor e a explorar minhas notas mais agudas. Eu carregava uma vontade imensa de mostrar ao Brasil o meu tom e jeito de cantar.
vozes
Eu estava tocando minha craviola e comecei a improvisar ao som dos pássaros, tentando emitir os sons que eles faziam. Com uma escuta atenta, tentava alcançar uma oitava acima (mesma nota, mas em uma região vocal mais aguda). Quando minha voz chegou lá, nunca mais saiu. Foi assim, ouvindo os pássaros, que encontrei meu caminho musical, de maneira totalmente intuitiva, sem estudo formal de técnicas. Acho que tive sorte. Agora, com quase 50 anos de carreira e aos 70, é que comecei a estudar a técnica, fazendo sessões com uma fonoaudióloga. Curiosamente, minha voz mais grave, a oitava abaixo, descobri durante minha primeira gravidez. Fazendo exercícios de RPG para cuidar do corpo, consegui relaxar o diafragma e, com isso, encontrei meu tom mais grave. Então, sim, continuo cantando no agudo, mas estou explorando muito o outro lado da minha voz.
flecha
Minha voz causava uma certa estranheza e acho que isso foi maravilhoso, porque chamou atenção e me abriu portas. Sinto que meu tom agudo chegou como uma flecha, desbravando caminhos no início da minha carreira. Uma flecha importante, não só para mim, mas também para outros artistas com vozes consideradas diferentes ou que queriam ousar. Eu, uma soprano, surgindo na música popular e música raiz, era algo incomum. Quando subi no palco do Festival dos Festivais para cantar “Escrito nas estrelas”, levei muito mais do que a minha voz: levei minha personalidade, meu figurino diferente, meus sonhos e minha alegria. Outra coisa que permanece intacta é minha conexão com as minhas raízes e, claro, com a natureza e os pássaros.
balança
Sinto que construí uma trajetória cheia de altos e baixos – algo natural para uma carreira longa e diversa. Aquela explosão de sucesso na época em que ganhei o festival era impossível de manter por muito tempo. Ninguém permanece no mesmo lugar, a menos que faça o mesmo sempre. E eu nunca fui assim. Sou inquieta, curiosa e gosto de experimentar. Ao longo da minha jornada, tive a chance de transitar entre ser intérprete, compositora e instrumentista. Em tudo o que faço, o lado emocional e intuitivo sempre está presente. Eu poderia imaginar o impacto de “Escrito nas estrelas” naquela época, mas nunca teria apostado que seu sucesso se reacenderia 38 anos depois, como está acontecendo agora.
viralizou
Depois que a Márcia Fu cantou “Escrito nas estrelas”, a música simplesmente explodiu na internet. Além disso, a cantora sertaneja Lauana Prado também contribuiu para essa nova onda ao regravar a canção e apresentá-la ao público jovem. Foi surpreendente ver meu hit pegar fogo 38 anos depois de seu lançamento. Fui inundada por mensagens nas redes sociais, convites para shows e um aumento bem significativo no número de seguidores. Aproveitando esse sucesso repentino e a celebração dos meus 70 anos, resolvi dar uma agitada na minha carreira. Tenho feito vários shows e, para mim, isso é uma forma de homenagem e realização como artista. O mais especial é que, com tudo isso, ganhei um novo público – jovens que foram atrás de descobrir quem era a voz aguda daquela canção. Estou aprendendo a aproveitar o alcance da internet. Voltar aos palcos e cantar “Escrito nas estrelas”, a pedido do público, é uma grande honra para mim. Aliás, nem posso pensar em fazer um show sem incluir essa canção. E faço questão de cantá-la no mesmo tom da apresentação no festival, isso eu garanto para o meu público.
setenta
Dizem que entre os 70 e os 80 anos é quando sentimos os sinais do envelhecimento com mais intensidade. Estou apenas no começo dessa fase, atenta à passagem do tempo e cuidando da minha saúde, tanto física quanto mental. Sinto que a terapia tem me ajudado a aceitar o envelhecimento, um tema importante, pois, no fundo, acho que ninguém se conforma com essa transição. Envelhecemos tanto por dentro quanto por fora, e aos poucos percebemos que as coisas não são mais como antes. Para mim, o que mais me preocupa é a voz; ela não tem mais a mesma vitalidade. O mesmo acontece com a energia para cantar e dançar, e até mesmo a memória. Por outro lado, envelhecer também traz uma sabedoria incrível. O tempo ensina o que realmente queremos ou não, e o que devemos ou não dizer. Hoje, tenho consciência da trajetória que construí e aprendi a valorizar isso, o que considero fundamental. Mas não quero viver de nostalgia. Atualmente, estou realizando um projeto que sempre sonhei, ao lado do meu grande amigo e parceiro de trabalho Arrigo Barnabé, chamado Sertanejo Lisérgico. É um projeto, que mistura teatro e música, e está lindo. Estou no auge dos 70, cheia de projetos. Meu maior aprendizado foi sempre me manter em movimento.
Assista a trechos da entrevista com Tetê Espíndola:
A EDIÇÃO DE JANEIRO DE 2025 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!
Para ler a versão digital da Revista E e ficar por dentro de outros conteúdos exclusivos, acesse a nossa página no Portal do Sesc ou baixe grátis o app Sesc SP no seu celular! (download disponível para aparelhos Android ou IOS).
Siga a Revista E nas redes sociais:
Instagram / Facebook / Youtube
A seguir, leia a edição de JANEIRO na íntegra. Se preferir, baixe o PDF para levar a Revista E contigo para onde você quiser!
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.