Por Duda Leite
Polêmicos, irônicos, escandalosos, geniais, emotivos e tragicômicos. Os escritores Truman Capote e Tennessee Williams tinham muito em comum. Ambos poderiam figurar em qualquer lista dos maiores autores e dramaturgos do século XX. O fato de serem homossexuais, terem abusado de álcool e drogas e sofrerem de depressão tampouco passa despercebido. Os dois foram algumas das estrelas mais brilhantes da literatura nas décadas de 1950 e 1960.
Truman criou Holly Golightly, a call girl mais chic de Manhattan, no clássico romance Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s), publicado em 1958. Holly foi eternizada nas telas por Audrey Hepburn no filme dirigido em 1961 por Blake Edwards, contra o desejo do autor, que preferia sua amiga Marilyn Monroe para o papel. “Marilyn tinha algo tocante e inacabado, que era perfeito para o papel”, declarou Truman.
Tennessee, por sua vez, criou Blanche DuBois, a frágil donzela do sul que sente uma incontrolável atração e repulsa pelo bronco Stanley Kowalski, no clássico Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire). Nas telas, Blanche foi imortalizada por Vivien Leigh e Kowalski, pelo jovem e sexy Marlon Brando, dirigidos por Elia Kazan em 1951. “Sinto que sou uma mistura dos dois”, confessou Tennessee.
A diretora norte-americana Lisa Immordino Vreeland, sempre em busca de boas histórias sobre personagens marcantes do século XX, atraída pelas semelhanças entre os dois autores, resolveu criar um retrato díptico sobre os dois. O resultado é Truman & Tennessee: Uma Conversa Pessoal que estreia na plataforma Sesc Digital de forma exclusiva, assim como o documentário Diana Vreeland – O Olhar Tem que Viajar, também disponível gratuitamente no #CinemaEmCasa.
“É engraçado, as pessoas me perguntam se eu carrego comigo um caderno com nomes de possíveis biografados. Eu não faço isso. Encontrar meus personagens é algo que dá muito trabalho e requer bastante pesquisa”, declara Lisa. “No caso de Truman & Tennessee eu sabia que suas palavras fariam parte do visual do filme. Me interessam boas histórias de vida, ou seja, não pessoas com vidas perfeitas. É necessário ter altos e baixos, pessoas com vidas emocionantes. Acho que encontrei isso com esses dois personagens”.
Como qualquer personalidade complexa, os dois autores compartilhavam várias contradições. Eram melhores amigos e rivais. Capote era obcecado pela fama e acabou se tornando uma celebridade, participando de inúmeros talk shows na TV norte-americana. Williams, bem mais reservado, achava o sucesso enfadonho e prezava mais o reconhecimento entre seus pares. Tennessee ganhou dois prêmios Pulitzer e um Tony.
O projeto de Lisa começou como um filme sobre Truman Capote. A diretora considerava que as pessoas haviam esquecido suas palavras. No final da vida, Capote foi julgado duramente após a publicação de seu último livro Answered Prayers / Súplicas Atendidas, por expor a vida íntima de seus amigos ricos e famosos, que haviam lhe confidenciado histórias íntimas. “Ele estava um desastre no final da vida. Eu queria redimi-lo”, conta Lisa. “Queria que as pessoas soubessem quem foi ele e a importância que sua obra teve e continua tendo”. Quando seu produtor a alertou que havia um outro filme sendo produzido sobre Truman – The Capote Tapes (2019) – sugeriu que Lisa criasse um díptico criando um paralelo com Tennessee Williams.
“Eu não sabia muito sobre Tennessee, conhecia apenas as adaptações de suas obras para o cinema. Os dois tinham muito em comum: nasceram no sul dos Estados Unidos (Tennessee em 1911, no Mississippi e Truman em 1924, em New Orleans), vinham de famílias disfuncionais, eram filhos de alcóolatras e eles mesmos se tornaram alcóolatras mais tarde. Eram homossexuais, alcançaram o auge do sucesso e depois amargaram o esquecimento e uma série de fracassos. Além disso, eram de fato bons amigos, apesar de terem brigado várias vezes”. O último livro de Truman, Answered Prayers / Súplicas Atendidas, é dedicado a Tennessee – que teria declarado sobre a obra: “Chocantemente repugnante e completamente difamatório”.
Um dos principais materiais de arquivo usado no documentário são as entrevistas que Truman & Tennessee deram para o apresentador de TV David Frost, onde os autores fazem revelações bombásticas. Além disso, Lisa filmou com uma Bolex 16mm cenas oníricas que evocam as férias que ambos passaram na Itália. A diretora também convidou os atores Jim Parsons e Zachary Quinto para interpretar as vozes de Truman e Tennessee respectivamente, lendo trechos de suas biografias. “Adoro cavar materiais de arquivo. Eu mesma faço a pesquisa. Li tudo que havia sobre eles. Foi uma imersão total”, conta Lisa. Em um dos momentos do filme, o apresentador David Frost pergunta aos dois escritores o que é o amor. Truman diz que, para ele, o amor e a amizade são exatamente a mesma coisa. Já para Tennessee, “o amor é um sentimento e existe o amor sexual. O amor sexual é geralmente a melhor introdução ao amor. Nunca vivi sem sentir amor”. E o autor completa: “somos todos vítimas de estupro pela sociedade. E nos devoramos uns aos outros, à nossa maneira”. Agora chegou a hora de devorar Truman & Tennessee.
Serviço
Plataforma Sesc Digital – #CinemaEmCasa
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