Um Brasil, muitas histórias

16/02/2023

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Em 2022, o Sesc Pompeia convidou a curadora e jornalista Lisette Lagnado para pensar uma exposição que refletisse criticamente o centenário da Semana de Arte Moderna com a ideia de integrar as discussões do projeto “Diversos 22”, do Sesc São Paulo.  Como a Semana de 1922, por sua vez, evoca a Independência do Brasil e a consolidação de uma nova República, eram diversas efemérides que precisavam aparecer nesse trabalho, além da comemoração dos 40 anos da unidade. E Lisette, ao lado dos co-curadores André Pitol e Yudi Rafael, resolveu contar essas histórias, de tantos Brasis, a partir do caminho percorrido pela arquiteta Lina Bo Bardi, responsável pela transformação da Fábrica no Sesc Pompeia.  “Fomos para a Bahia, porque é lá que todos os estudiosos de Lina identificam que o projeto do Sesc Pompeia ganhou muito com a vivência dela”, explica Lisette.

Dessa forma, o trio começa a investigar indícios de outras pesquisas da Lina, como a Casa do Benin, e uma das características bem palpáveis destes trabalhos é “essa ideia de convivência da Lina, que está posta no Sesc Pompeia. Não é parte do trabalho formal dela, mas está consolidado, essa característica de criar espaços possíveis de convivência, de hospitalidade”, afirma Pitol. 

Em outras unidades anteriores ao Pompeia, o Sesc São Paulo já vinha desenvolvendo a ideia de projetar espaços em que a convivência fosse priorizada. E então convidou Lina para desenhar essa ideia nesse novo projeto, que acabou se transformando em um dos espaços mais democráticos da cidade de São Paulo. 

Pelo caráter de ser um espaço de convivência por excelência, o Sesc Pompeia deu rumo a uma pesquisa exaustiva por outros espaços que atuassem com essa perspectiva de conviver, de reunir, em um discurso que nada contra a corrente do individualismo das cidades. Conforme explica Yudi Rafael, para compor a mostra, eles decidiram convidar para participar cinco espaços, os quais, assim como o Sesc Pompeia, valorizam esse lugar de possibilidade para o diálogo. “A ideia é colocar em conversa modelos de hospitalidade diferentes do que temos aqui, que se dão em contextos específicos”, diz. 

Espaços dialógicos 

De acordo com os curadores, não foi uma missão fácil escolher cinco espaços de convivência – de uma lista de aproximadamente 100. Mas, no final, a seleção tinha que estar conectada com a comunidade local no sentido de poder agregar uma outra lógica: a da convivialidade. “A gente entende que houve um esgarçamento da sociedade civil e da sociedade capitalista e que as comunidades originárias ainda mantêm um modelo de convivialidade que nós perdemos. Então, foi natural voltar para elas”, pontua Lisette. 

Aldeia Kalipety – extremo sul da cidade de São Paulo

Aldeia Kalipety – Foto Rodrigo Reis

Localizada a três quilômetros do bairro da Barragem, o território indígena reúne cerca de 70 moradores e vem sendo reocupado por guaranis, desde 2013. Até os anos 1970, os indígenas moravam na terra, mas foram sendo cada vez mais acuados em pequenos espaços por posseiros, não-indígenas, para a monocultura de eucalipto. Os indígenas foram perdendo, aos poucos, locais para o plantio. O que mudou com um movimento forte e unificado com a reocupação do local e o retorno do plantio de alimentos tradicionais, como a batata doce e uma imensa variedade de milho. Atualmente, eles são considerados referência em práticas agroecológicas, numa lógica bastante distinta do que é o agronegócio brasileiro hoje em dia. 

Aldeia Kalipety na exposição – Foto Léu Britto

Casa da Laje – acervo/site

Acervo da Laje – Subúrbio Ferroviário de Salvador

Quando estava cursando o doutorado, José Eduardo Ferreira Santos foi convidado por um de seus professores a fotografar a beleza do território em que morava. Ele que nasceu e foi criado no subúrbio ferroviário de Salvador só ouvia relatos de violência de seu bairro, mas sabia que ali também existia um tesouro sobre o qual não se falava. Acompanhado de sua esposa Vilma Santos e do fotógrafo Marcos Illuminati, ele fez uma exposição chamada “Cadê a bonita?” em que perguntava a mulheres e meninas do bairro onde estava a bonita e só faziam o retrato quando elas se identificavam, se reconheciam belas. A partir daí, surgiram exposições, aulas e oficinas artísticas para crianças e jovens do bairro, e a casa deles se transformou em uma casa-museu-escola: um espaço para ressignificar o sentido da convivência. 

Casa da Laje na exposição – Foto Léu Britto
Casa do Povo – acervo

Casa do Povo – São Paulo, SP 

A Casa do Povo – como eles mesmos se definem – “é um centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória.”. A associação, localizada no bairro paulistano do Bom Retiro, foi inaugurada em 1953, logo após a Segunda Guerra Mundial, por um grupo de judeus progressistas. Trata-se de um local que há mais de 60 anos é ocupado por dezenas de grupos, movimentos e coletivos na busca por reinventar “as noções de cultura, comunidade e memória”. Dentro de suas premissas históricas, judaicas e humanistas, o público e participante ativo e engajado, já que a casa é um lugar de memória da imigração judaica, da história da esquerda no Brasil e das vanguardas culturais paulistanas. Com a organização dos almoços coletivos na rua mesmo, a Casa sempre foi um palco de encontros e convivência. 

Coral Tradição da Casa do Povo se apresenta em ação educativa – Foto Rodrigo Reis
Quilombo Santa Rosa dos Pretos – divulgação

Quilombo Santa Rosa dos Pretos – Itapecuru-Mirim, MA

A comunidade quilombola Santa Rosa dos Pretos está localizada a cerca de 100 km da capital maranhense, São Luís, e abriga cerca de oito mil quilombolas. O conceito de família e pertencimento vai muito além do que aquele que é conhecido nas cidades. Conforme explicou a artista e quilombola Zica Pires, que esteve no Sesc Pompeia para participar da abertura da exposição, “se um morador fica doente, não é só a família dele que vai ajudar. A comunidade se mobiliza para levá-lo ao médico, alguém vai preparar a comida e cuidar das crianças quando a família precisar se ausentar”, explica. Da mesma forma, ela se indigna com as práticas corriqueiras para os citadinos. “Por que eu pagaria 5 reais em uma manga, se eu posso plantar e em alguns anos colher os seus frutos para o resto da vida?”. 

Território Quilombo – Foto Renata Armelin
Savvy – acervo

Savvy Contemporary – Berlim, Alemanha

O artista e fundador do Savvy Contemporary, o congolês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, uma vez em Berlim, engajou-se em construir um projeto em que os artistas expatriados de vários lugares do mundo pudessem conviver e experimentar juntos novas possibilidades artísticas. Para ele, a diáspora africana que se encontra com outros povos no velho continente pode ser uma metáfora de dispersão de sementes: que vão crescer e dar frutos, pois todos os que estão envolvidos no Savvy querem cultivar e criar juntos. Nas palavras da diretora de comunicação e curadora, Anna Jäger, “perguntar ‘qual a intenção por trás do seu trabalho?’ e ‘você já comeu hoje’, tem o mesmo grau de importância para nós”. 

Território Savvy – foto Renata Armelin

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