Um guia sobre criatividade e composição

15/04/2025

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Livro de Jeff Tweedy, líder da banda Wilco, une reflexão, exercícios práticos e histórias pessoais para democratizar o ato de criar

Na era dos tutoriais, vídeos rápidos e fórmulas simples, Jeff Tweedy — fundador da banda Wilco e um dos nomes mais respeitados da música independente norte-americana — desafia convenções no livro com Como escrever uma canção. Lançado pelas Edições Sesc São Paulo, com tradução de Thiago Lins, o livro ultrapassa o formato de um mero manual tradicional, trazendo histórias pessoais, curiosidades de bastidores e estratégias inusitadas para desbloquear a inventividade e celebrar a beleza do processo criativo.

“Cada canção, e cada ato criativo, na realidade, é um ato de rebeldia em um mundo que muitas vezes parece determinado a se destruir.”
Jeff Tweedy

Revelando sua relação precoce com a música, aos 7 anos, Tweedy já se autoproclamava “compositor”, embora nunca tivesse escrito uma canção. Filho de um ferroviário que, quando nas noites em que bebia usava poesia para desabafar seus problemas, ele descobriu na adolescência que a música era uma forma de existir — não de impressionar. Além da trajetória pessoal o livro detalha episódios marcantes da carreira de Jeff à frente do Wilco, como a gravação de Yankee Hotel Foxtrot, álbum rejeitado por sua gravadora e hoje considerado uma obra-prima do rock moderno.

Uma jornada pelo processo criativo

Em Como escrever uma canção o autor divide o seu processo criativo em quatro partes interligadas, oferecendo tanto reflexões quanto ferramentas práticas. Na primeira parte, Tweedy desmonta mitos sobre o “talento nato” e convida o leitor a encarar a composição como um ato de coragem e persistência, não de genialidade. Argumenta que criar é um hábito diário, alimentado pela disciplina e pela aceitação do fracasso como caminho para descobertas autênticas.
A segunda e terceira partes mergulham na prática. Em exercícios para composição de letras e melodias, onde o leitor encontra técnicas lúdicas para desbloquear a criatividade, como a “escada de palavras” (combinar termos aleatórios que resultam em versos surpreendentes) e o cut-up (recortar textos para gerar novas narrativas) além de segredos de estúdio, como gravar “faixas balbuciantes” (vocalizações sem sentido que evoluem para letras) e “roubar” progressões de acordes de forma ética, transformando referências em algo original. O autor enfatiza que a teoria musical é menos importante que a escuta atenta, incentivando até quem não toca instrumentos a explorar sons do cotidiano, como o canto de pássaros ou o barulho do vento.

Por fim, na quarta parte, o foco é superar a autossabotagem. Tweedy rejeita a ideia de “bloqueio criativo”, propondo soluções como reiniciar uma canção pelo “verso errado” ou compartilhá-la mesmo inacabada. O livro é um manifesto sobre o fazer artístico como resistência: um lembrete de que escrever uma canção, mais que um fim, é um convite a se perder no processo e encontrar beleza no caos da criação.

Mas por que escrever uma canção?

Jeff Tweedy nos inspira a escrever canções porque desconstrói a ideia de que a criação é um privilégio de poucos. No livro, ele revela que sua própria trajetória foi marcada por inseguranças, fracassos e descobertas acidentais — como compor “Can’t Stand It” em um avião a caminho de um estúdio, pressionado pela gravadora a entregar “um verdadeiro hit”. Ao compartilhar histórias íntimas, como a rejeição de Yankee Hotel Foxtrot e a rotina de gravar constantemente ideias musicais no celular, o autor prova que a arte não nasce da perfeição, mas da coragem de começar, nos convidando a compreender a composição como um ato cotidiano e acessível a qualquer um que se permita errar e persistir, derrubando o mito do talento natural ou da formação musical.

Além disso, a publicação propõe que escrever canções é um caminho de autoconhecimento e conexão humana. Carregada de reflexões sobre como letras aparentemente simples carregam verdades profundas demonstrando que a música é uma ferramenta para decifrar emoções e compartilhar vulnerabilidades.

Por fim, o autor confere à arte o seu papel libertador. Expondo seu método de “roubar” melodias ou compor do ponto de vista de um inseto celebra a imperfeição como fonte de autenticidade, garantindo que o simples ato de criar — seja uma canção, um poema ou um rabisco — nos torna mais presentes no mundo. Exercer a criatividade é, portanto, um exercício de sobrevivência emocional, uma forma de afirmar e reconhecer a nossa existência em um universo que muitas vezes nos faz sentir pequenos. E é por essa simplicidade revolucionária que deveríamos nos esforçar, pelo menos um pouquinho, para escrevermos uma canção.

“Eu quero ser a pessoa que encoraja mais seres humanos a fazer isso: a ter alguns momentos privados de criatividade, compartilhando ou não os resultados. Deveríamos ter milhares de pessoas defendendo isso. Acho a coisa mais legal do mundo quando alguém rompe seu estrato social, seu ‘posto’ na vida, e se permite um momento pessoal ‘arte pela arte’.”
Jeff Tweedy

Veja também:

:: trecho do livro

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