Por Luciana Orvat
A identidade visual desta edição do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas – MIRADA destaca o Peru como país homenageado e ao mesmo tempo expande o projeto de atualização empreendido desde o início de 2020. Dez anos após sua primeira edição, em 2010, o festival buscou refletir sua consolidação e maturidade também pela sistematização de sua visualidade, criando consistência e regularidade para as edições subsequentes. Aqui, narro essa construção dividida em três tempos e realizada por muitas mãos.1
A decisão de preservar a chave2 presente na marca original do festival, de autoria da designer Noris Lima, se deu pela constatação de que o símbolo ainda carregava camadas de significado bastante relevantes para o evento. Seu formato relaciona-se com o movimento do mar, por ser Santos a cidade que sedia o festival e sintetiza o espaço de encontro de diferentes povos em seu porto. Da mesma maneira, é possível verificar certa semelhança entre a chave e o enquadramento do proscênio (a versão mais conhecida da moldura lateral da boca de cena, definida por cortinas abertas e amarradas).
Depois de atravessarem uma atualização tipográfica sutil, os componentes da marca original foram isolados – logotipo (MIRADA), símbolo (chave) e assinatura (Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas) – e tornaram-se elementos independentes na identidade visual, flexibilizando o sistema, revitalizando sua imagem e facilitando aplicações mais desafiadoras. Paralelamente, seria possível originar diferentes grafismos por meio da repetição, rotação, espelhamento e tantas outras operações gráficas com a chave. Essas variações poderiam não só distinguir cada edição do festival como também evocar inquietações e temáticas de suas apresentações e atividades.
Por conta das limitações colocadas pela pandemia de Covid-19, a edição de 2020 do festival foi adiada e o projeto gráfico desenvolvido foi, mais tarde, adaptado para a Ocupação MIRADA, realizada em 2021. O verde fluorescente, típico do modelo de cores RGB (sigla em inglês para vermelho, verde e azul), foi a cor da edição, que recorreu a um formato predominantemente on-line para acontecer.
Foi com o retorno das edições presenciais do festival, em 2022, que o projeto pôde ser implementado em todos os pontos de contato. A cor verde foi substituída por um laranja vibrante e solar para celebrar o reencontro. Mesmo com todas as dificuldades, que se somaram àquelas já enfrentadas desde antes da pandemia no Brasil, o teatro permaneceu vivo e relevante.
Foto: Matheus José Maria
Para direcionar a adaptação da identidade visual para a edição de 2024, a curadoria indicou o Peru como país homenageado e apontou temáticas presentes nos espetáculos e atividades desta edição. Assim, reflexões sobre corpos insurgentes, migração, meio ambiente, misoginia, lgbtfobia e racismo, já contempladas nas edições anteriores, apareceriam ao lado de novas perspectivas, como o contracolonialismo e a decolonidade, as histórias não hegemônicas, as questões amazônicas e a África ibérica.
A tradição têxtil peruana foi então estabelecida como eixo central na conceituação do projeto, valorizando saberes ancestrais e originários e, ao mesmo tempo, incorporando camadas de significado igualmente pertinentes, como as redes, as tramas e os encontros. A multiplicidade de cores usadas numa nova variação de grafismo potencializa aplicações dinâmicas, como animações e impressões lenticulares. É no campo simbólico, no entanto, que o vigor cromático realiza sua tarefa fundamental: transbordar das superfícies o chamado para a diversidade.
Foto: Bruna Damasceno
Luciana Orvat é designer, professora e sócia do Estúdio Claraboia. É formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP e pós-graduada em Design Gráfico pela mesma universidade. Leciona em disciplinas universitárias e cursos livres desde 2012 e foi consultora de design no Itaú Cultural. Teve diversos trabalhos selecionados para mostras e premiações nacionais e internacionais.
1 Além do Estúdio Claraboia, outros designers participaram ativamente deste projeto. Caminharam juntos em algumas (ou todas) as suas fases: Felipe Daros, Gabriela Borsoi, Giovanna Merlin, Iara Pierro, Pablo Perez, Rogério Ianelli, Tina Cassie, Yasmin Amorim e os estagiários Raquel Mendes e Vitor Gabriel.
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