Espetáculo segue em cartaz no Teatro Antunes Filho (Sesc Vila Mariana), na capital paulista, até 12 de fevereiro
A música, os movimentos, o diálogo com as raízes afro-brasileiras, as questões do Brasil contemporâneo e a presença dos orixás compõem “Uma Leitura dos Búzios“, espetáculo idealizado pelo Sesc São Paulo, que segue em cartaz no Teatro Antunes Filho (Sesc Vila Mariana) até 12 de fevereiro.
A atração investiga e explicita o papel das mulheres e o da elite baiana, que foram apagadas pela história, a partir do movimento político que aconteceu em Salvador (BA), em 1798, conhecido como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates.
“[Destacamos] as mulheres porque eram mulheres e, até hoje, a história tem sido escrita por homens. E a elite para não sujar, com julgamento de traições contra a coroa, os nomes de famílias que, desde aquela época, comandam política e economia da Bahia“, esclarece o encenador, dramaturgo, cenógrafo e figurinista Marcio Meirelles.
A peça musical, coreográfica, videográfica e textual, com participação de atores de todo o país tem colaboração de Cristina Castro e João Milet Meirelles, texto de Monica Santana e coordenação de pesquisa de Gustavo Melo Cerqueira. Os ingressos podem ser adquiridos presencialmente e no site do Sesc São Paulo.
Religiões afro-brasileiras em cena
O diálogo com as religiões afro-brasileiras aparece em cena na direção musical de João Milet Meirelles, nos movimentos dirigidos por Cristina Castro e na presença da cantora Virgínia Rodrigues, ao compor uma Mátria Brasil de origem Bantu.
“Virgínia trouxe raízes do Candomblé Bantu para o espetáculo. E o elenco, majoritariamente negro e de religiões de matriz africana, também participou ativamente. Isso se traduziu na encarnação dessas questões em seus corpos e atuações, no grau de pertencimento de todes, com a diversidade de um elenco composto por diferentes gêneros, matizes raciais, crenças e histórias“, explica Marcio Meirelles.
Para o encenador, as religiões afro-brasileiras estão presentes na cultura do país de maneira explícita e também invisível, “em gestos, palavras, dizeres, saberes, gostos, que muitas vezes não temos noção de como vieram e se instalaram, fazendo parte de nossa vida, enquanto os herdeiros diretos dos responsáveis por nossa identidade nacional continuam lutando, como seus antepassados, para sobreviver neste país que lhes deve tanto“.
Os orixás — nkises — aparecem em quatro atos, um para cada dos condenados por conta da revolta popular baiana. Esse momento abre espaço para o epílogo do ourives Luís Pires, que nunca foi encontrado e não sofreu violência e repressão do governo à época. “Ele guia a narrativa, é o princípio da revolta e da revolução que conduz o espetáculo“, diz Meirelles.
Um mergulho nas questões do Brasil
O espetáculo possui elenco de 30 artistas em cena e uma equipe técnica que reúne cerca de 100 profissionais. Marcio Meireles destaca que a peça é um chamamento para um levante pela liberdade, independência, igualdade, decolonização e justiça, que coloca o público frente a frente consigo mesmo como povo brasileiro. Além disso, propõe uma reflexão sobre esse povo que ainda “sofre a perversão do escravismo, do colonialismo capitalista e das diferenças sociais“.
“O Brasil de hoje se revê no passado. Muita coisa não mudou neste país ainda colonizado, escravista, com muitos dos procedimentos da época. A herança da Casa Grande é muito forte e, como disse, ainda comanda o jogo. Este projeto e espetáculo vão na contramão, ligando os pontos“, defende.
O levante popular baiano
Inspirado nos ideais da Revolução Francesa (1789–1799) e na Revolta de São Domingos, atual Haiti (1791–1804), o levante popular baiano aconteceu em Salvador (BA), em 1798. Ocorreu como reflexo da crise socioeconômica que uma parcela significativa da população soteropolitana enfrentava, enquanto a Coroa Portuguesa mantinha seu poder político e econômico, e donos de engenho e integrantes da alta burocracia da colônia prosperavam.
A revolta ganhou o apoio das elites locais, insatisfeitas com o tratamento da Coroa Portuguesa, que via no pacto colonial a possibilidade de aumentar os lucros, o poder econômico e político. Essa parcela da população começa a abandonar esse movimento quando ele passa a se popularizar e se radicalizar, tendo a participação de milicianos, artesãos e escravizados, que lutavam por liberdade, igualdade e justiça.
Alguns nomes que tiveram envolvimento na revolta ganharam destaque, como o médico Cipriano Barata e o tenente Aguilar Pantoja, além do envolvimento da população negra. E a violência contra os representantes das classes mais populares se deu de forma mais intensa, por conta da forte repressão do governo à época.
Entre as classes populares: Lucas Dantas (soldado), Manuel Faustino (aprendiz de alfaiate), Luiz Gonzaga das Virgens (soldado), João de Deus (mestre alfaiate) chegaram a ser presos, enforcados em praça pública e esquartejados. Luiz Pires (ourives), outro acusado, nunca foi encontrado.
Texto: Jean Albuquerque | Imagem: Alma Preta Jornalismo
Este texto foi publicado na plataforma da Alma Preta Jornalismo – www.almapreta.com
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