Arte: Frederico Zarnauskas
Nesta coluna, a jornalista Celia Moreira dos Santos apresenta textos sobre encontros e situações que vivenciou em sua carreira, atuando no campo cultural em artes, teatro e música.
por Celia Moreira dos Santos*
Maksoud Plaza, 13 de agosto, 1981. The Voice, Old Blue Eyes. Frank Sinatra está no palco com a Orquestra de Vincent Falcone. Numa entrada digna de rei, majestade, vem à frente, equipe, centímetros atrás, em passos cadenciados, calculados, contados. Todos de smoking, exigência do chefe. Diz que a plateia é extensão da sua realeza. E, como tal, reverencia os súditos.
Quase inacreditável. Frank Sinatra, em carne e osso, domínio de timbre, afinação, fôlego e ritmo, transportando a plateia ao infinito. Foram quinze anos de uma longa espera, até que se dignasse vir ao Brasil. Mas veio. Aqui está. Não é apenas um excelente cantor, com domínio da técnica, da voz. Vai além, com qualidades que não se compram, são inatas. Dom. Voz. Carisma, sex appeal. E a equação se completa com a sua presença. Será sempre Sinatra.
Old Blue Eyes. Elo entre gerações. Conquistou teen agers nas matinês dos anos 40 e 50. A partir daí, sucesso absoluto no público mais adulto. Ator premiado em filmes consagrados, romances com as grandes estrelas do cinema. Com Ava Gardner, uma das mais lindas mulheres do mundo foi um dos tantos. Ligações com políticos. E, dizem as más línguas, também com a Máfia.
Praticamente todo o show business esteve empenhado para que concedesse colocar os pés em território brasileiro. Sempre se esquivara. Não foram suficientes telefonemas, encontros nos EUA. As desculpas eram sempre as mesmas: outros compromissos, agenda cheia, viagens ao redor do mundo. A sua recusa já se transformara em lenda, desesperança e motivo de comentários dos empresários: “Está de brincadeira, nunca virá. É como esperar Godot”.
Dizem que, em verdade, Frank tinha receio da profecia da cartomante: “Se botasse os pés, na América do Sul, morreria”. Mas forças ocultas devem ter confabulado com o Olimpo, Gênio da Lâmpada e até mesmo Deus. Frank Sinatra, finalmente aceitou fazer shows para os numerosos fãs dos trópicos. Assim, o sonho de muitos, incluindo os meus, se transformaram em realidade.
É uma noite fria. The Voice começa a cantar. E, pronto, aquece o ambiente. Antes dele vir, estar aqui e cantar, pairava o receio de tudo dar errado e o show ser cancelado. Afinal, ele poderia contrair um resfriado, a voz enrouquecer e tudo ir pro beleleu. O famoso escritor, Gay Talese conta, em seu famoso livro “Fama & Anonimato”, também ter tido esse calafrio. Porque, pela sua lógica: Sinatra resfriado era Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível.
Mas, o homem aqui está. Não está resfriado nem rouco e, logo, com sua voz, charme conquista o auditório lotado por 700 pessoas. E lá vamos nós pra lua, já na primeira canção:
Fly me to the moon. Fly me to the moon, leve-me até a lua; let me play among the stars, e deixe-me brincar entre as estrelas; let me see what springs is like on, deixe-me ver como é a primavera,
Jupiter and Mars; em Jupiter e Marte.
Não podia ser diferente. Lá fomos até as crateras da lua, também pra Jupiter e Marte. Não é sonho, delírio. Acontece. Está registrado nos anais da minha vida. Vi e ouvi Frank Sinatra.
Não pode ser verdade. O filme vai acabar e aparecer ‘The End’. Mas me convenço. Não é filme, nem uma projeção de imagens numa tela. É real. Estou aqui, vendo e ouvindo Frank Sinatra, no Maksoud Plaza, o mais chique hotel de São Paulo. Nem nos meus mais delirantes sonhos poderia vislumbrar esta noite. Privilégio total. Apenas 700 convidados. Eu, entre eles.
Poucos tiveram cacife para pagar o ingresso. Existem controvérsias. Dizem que o valor era de 20 mil reais, outros de 60 mil reais. Noite de gala, com mulheres elegantes de vestido longo. Mais de duas dúzias de Mercedes, um BMW, um Cadillac Supreme e um Mustang 69. As mulheres trajam vestidos longos de grifes estrangeiras. Valentino, Doce & Gabana, Cristian Lacroix, Versace, Yves Saint Laurent, Armani, Karl Legerfeld. A noite não estava tão fria, mas algumas usavam casacos de Vison.
Eu era uma absoluta estranha no ninho. Não tinha roupa conveniente para estar entre a granfinada. Me desculpem, estou pulando etapas. Vamos ao início de tudo. Como consegui estar entre esta gente endinheirada para ouvir o cantor, ícone dos músicos e plateias do mundo inteiro? Simples: um jornalista da Associated Press, que trabalhava no escritório da agência, em São Paulo, me disse que todos da sucursal, e da sede também, em Nova Iorque, estavam pautados para uma grande cobertura do show de Frank Sinatra.
Fiquei tão maravilhada com a informação que ele, ao perceber a minha animação, ansiedade, entusiasmo me perguntou, com seu sotaque carregado: você gostarria de verr Frank Sinatra? Quer ir comigo? A minha resposta não poderia ter sido mais acalorada num Sim, repetido mais de uma vez. Mais tarde, ele me ligou para dizer que já estava com os ingressos. E eu passei a acreditar que era uma das pessoas mais privilegiadas deste mundo.
O ingresso já estava certo. Mas ainda havia um problema crucial. Com que roupa eu iria? Não tinha nenhum traje chique, de gala. O tempo era curto. Não só isso. Não tinha dinheiro suficiente para investir numa roupa cara. E me bateu o desespero. Declinar do convite? Mas se isso acontecesse, um dos sonhos da minha vida desmoronaria. E a notícia se espalhou entre as amigas. E uma delas me disse: tenho um vestido preto, de seda pura, cortado em camadas. Não é longo, fica um pouco abaixo dos joelhos. Aprendi com a vida: quem não tem cão, caça com gato. Pronto, seria esse! Eu já tinha o vestido.
Mas ainda faltava muita coisa para que não fosse a aberração da noite: cabelos, maquiagem. E lá fui até um cabeleireiro, pagar os olhos da cara por um penteado sofisticado. Ele olhou bem no meu rosto e decretou: “rosto comprido, vamos fazer um coque alto e colocaremos alguma coisa como adorno. Por exemplo, uma pena colorida”. Eu fiquei meio na dúvida. Afinal, eu poderia ficar com a aparência de ter um ninho de passarinhos na cabeça. Mas como estava na chuva, o melhor era arriscar.
Me entreguei às mãos do profissional. Finalizado o serviço, olhei no espelho. Não era bem eu, mas também não estava sofrível. Depois, maquiagem no rosto, cílios postiços, mãos com esmalte bem vermelho. Estava pronta. Mas, antes de ser liberada do salão, o cabeleireiro voltou a mim para dizer: numa noite tão sofisticada não se esqueça da pena, que será a sensação da noite. Peguei a pena e levei pra casa, para só colocar na cabeça, na hora de sair de casa. Mas acabei desistindo do adorno, com receio de fazer um papelão de caipira juramentada, na frente de mulheres tão tarimbadas com o mundo da moda.
Tudo resolvido, pronta para o show. Mesa para quatro pessoas. Eu, o jornalista da sucursal da Associated Press, em São Paulo e o diretor da Associated Press no Brasil com esposa, vindos diretamente do Rio para o grande evento. A noite não poderia ser mais perfeita. Uísque escocês da melhor qualidade, como diríamos “a rodo”. E um menu sofisticado, apropriado para todos os gostos: lagosta cozida com pouco sal; fundo de alcachofra com creme sofisticadamente rosado e gostoso; filé mignon com molho repleto de azeitonas sem caroço e alguns cogumelos; doce recheado de chantilly (tipo mil folhas).
A orquestra acompanhou Sinatra em canções que não poderiam faltar, como “Strangers in the Night”, “I’ve Got You Under My Skin” e “My Kind of Town”, entre outras, durante os 75 minutos de apresentação. Além de ouvir – e ver bem de perto – Frank Sinatra, a plateia levou para casa uma gravura de Wesley Duke Lee, um catálogo ilustrado e um compacto com as faixas “New York, New York” e “That’s What God Looks Like to Me”.
Após o Show, o Maksoud Plaza inaugurou, na mesma noite, o “150 Night Club”, uma boate e clube de jazz e blues que foi uma das casas de espetáculos mais famosas e disputadas, ao longo das décadas. A casa recebeu artistas como Bobby Short, Alberta Hunter, Etta James, Billy Eckstine, Buddy Guy, Dorival Caymmi, Clara Nunes, Tom Jobim, Gilberto Gil e Tim Maia.
Ainda meio sem os pés no chão, fascinada com a noite que vivera, terminado o show, lá fui dançar no “150 Night Club”, até a madrugada. O Brasil, como grande parte do mundo, vivia a febre das discotecas, popularizadas por aqui principalmente em razão do Filme “Os embalos de sábado à noite” e a novela “Dancing Days”. Então, rolou muita música dos Bee Gees, como “Stayin’ Alive”, “Night Fever”, “How Deep is Your Love” e “Jive Talkin”.
E eu, embalada por Franks Sinatra, excelente uísque e companhia dancei, rodopiei até a madrugada. Já amanhecia quando fui pra casa. Fui andando. Queria pisar no chão, olhar o céu e ver a lua. ‘Fly me to the moon’. Assim fui tropeçando: Rolling Stones. Quem não haveria?
The Best is Yet to Come
Em 25 de fevereiro de 1995, Frank cantou em público, pela última vez, para 1.200 pessoas que haviam ido a um torneio de golfe em homenagem a ele. Interpretou “The Best is Yet to Come”. É esta a frase que está gravada em seu túmulo. O melhor ainda está mesmo por vir.
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*Celia Moreira dos Santos: Jornalista que trabalhou durante anos com produções de textos diversos e entrevistas especiais para as revistas Veja, Exame, Claudia, Afinal, Playboy, UP Date e o jornal Folha de São Paulo.
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