EXPERIMENTAÇÃO SONORA | Benefícios do aprendizado de música para além da profissionalização

31/01/2024

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aprender A CANTAR OU A TOCAR ALGUM INSTRUMENTO TRAZ RESULTADOS pessoais e coletivos, como desenvolvimento emocional, ampliação de repertório e senso de PERTENCIMENTO

Leia a edição de FEVEREIRO/24 da Revista E na íntegra

POR LUNA D´ALAMA

O multi-instrumentista Hermeto Pascoal acredita que tudo está ligado à música. Segundo o pensamento do artista de 87 anos, os sons ecoam em todos os contextos, não apenas ao tocar algum instrumento de sopro, corda ou percussão. A musicalidade, para o “Bruxo dos Sons”, manifesta-se na fala, no canto, no pio dos pássaros – sempre que um som combina elementos como ritmo, harmonia e melodia, de forma organizada no tempo.

De fato, a música é inerente à condição humana e ocupa um importante papel na trajetória cultural de diversos povos, possibilitando a expressão de sentimentos, a manifestação de ideias, a fruição artística, a ampliação de repertório e a sociabilização, entre outros benefícios. Ligada à sensibilidade, à cidadania e à própria existência humana, a prática musical ajuda a desenvolver o potencial criativo, a capacidade crítica, habilidades e construção coletiva e colaborativa, favorecendo, assim, o autoconhecimento, a autonomia e o bem-estar.

Segundo Zuza Gonçalves, professor de canto e educação vocal há mais de 20 anos (nove deles no Centro de Música do Sesc Vila Mariana), antes de ser uma linguagem artística – com códigos, tradições, teorias e escrita – ou, ainda, um produto da indústria cultural, a música é uma experiência humana compartilhada. “Todos nós sabemos música, mesmo sem ler uma partitura. Quem anda, dança; e quem fala, canta. A origem e a base da música estão em uma vivência comunitária anterior à palavra, à linguagem verbal. Desde que o humano é humano, ele produz sons, e não só para comunicação, mas para o lazer”, explica o artista-educador, que é cofundador do Instituto Música do Círculo e, além de cantar, toca piano, violão e gaita de boca.

Gonçalves concorda que o aprendizado de música pode ajudar no raciocínio lógico e na memória, mas prefere vê-la como um fim em si mesma. “A música é parte da condição humana. Quem não entra em contato com ela, seja erudita ou popular, para aprendizagem ou apreciação, deixa de acessar uma parcela importante da experiência humana. As pessoas trazem dentro de si o canto, o ritmo, a batida de palmas ou dos pés. Seja num cantar de parabéns, numa roda de capoeira ou num ritual religioso”, exemplifica.

O professor também compara o estudante de música a quem joga futebol: algumas pessoas serão mais ágeis e terão mais facilidade que outras, numa relação fluida e orgânica com a bola (no caso, o instrumento). “Mas todo mundo pode se desenvolver, o que não significa se profissionalizar, ganhar dinheiro com isso. Acredito no aprendizado da música para a vida, não apenas para cantores e instrumentistas profissionais. Infelizmente, colocamos a música na torre de marfim da grande performance, e vejo isso como uma relação adoecida. Porque ela é da nossa natureza, está presente desde o ritmo do nosso coração”, analisa.

Para Gonçalves, que trabalha o cancioneiro popular num tripé formado por percussão corporal, improvisação vocal e pedagogia da cooperação, todas as comunidades se organizam em torno da música: seja na igreja, num show de rock ou no Carnaval, com suas roupas, letras, valores e jeitos de ser particulares. No caso do ensino, há especificidades técnicas, cognitivas e até de interesses em dar aulas para crianças, adolescentes, adultos ou idosos. O professor, por exemplo, sempre teve mais alunos jovens e adultos, mas já recebeu pequenos a partir de 1 ano de idade e pessoas na casa dos 80. “Viajo o mundo ensinando música, em geral para quem não tem conhecimento prévio. Já passei pelas Américas, Europa e África, e aqui também participo de retiros imersivos, com improvisação em conjunto. Não compomos nem gravamos, porque não é para sair um produto, mas uma experiência. Uma música do presente, feita apenas com o corpo e a voz”, completa o artista-educador, que deve ter uma composição sua gravada pelo Barbatuques em breve.

Alunos de flauta transversal do Instituto Baccarelli, em Heliópolis, Zona Sul de São Paulo. Foto: Rodrigo Rosenthal

DE APRENDIZ A MESTRA

Professora de violino há oito anos no Instituto Baccarelli – responsável pela primeira orquestra sinfônica do mundo em uma favela (Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo) –, Julliana Cavalcanti afirma que o aprendizado de música desenvolve escuta, paciência, concentração, observação, disciplina, coordenação motora e socialização, entre outros ganhos. “Colocamos o corpo em ritmo, em pulsação, aprendemos com o outro. Por isso, muitos começam no coral, porque é potente estar e aprender em grupo”, avalia a educadora, licenciada em música pela Faculdade Cantareira, pós-graduada em educação musical e ex-aluna do Baccarelli, onde começou aos 11 anos e fez parte da orquestra por quase duas décadas.

Cavalcanti explica que, assim como um bebê, quem aprende música primeiro escuta, depois fala (canta) e, por último, começa a ler (partitura). “A partir dos dois anos, introduzimos a musicalização, com a participação de pais ou cuidadores. Apresentamos os instrumentos e movimentos, é tudo muito lúdico e pedagógico. As crianças tocam, entendem o que é ritmo e, aos quatro anos, vão ganhando autonomia. Até que, por volta dos seis, quando inicia-se a alfabetização na escola, os pequenos começam a escolher os instrumentos e a ler as partituras”, detalha a professora, que também dá aulas particulares, toca em concertos, eventos e faz walking violino pela capital paulista. No instituto, 1.400 alunos – a maioria, de escolas públicas e/ou em situação de vulnerabilidade social – têm aulas duas vezes por semana, por 1h30, com até dez colegas por turma.

À medida que os estudantes do Baccarelli avançam na prática musical, podem ter aulas individuais (a partir dos 12 anos) e se desenvolver mais rapidamente, com treinos específicos para cada nível. “Nem todos os que entram aqui vão se tornar profissionais. Mas o ganho cognitivo é para todos: a música trabalha os dois hemisférios cerebrais, tanto o lógico quanto o abstrato, das emoções. Porém, as crianças, em geral, são mais flexíveis e menos resistentes que os adultos, e o cérebro delas é uma ‘esponja’, absorve tudo muito rápido”, pontua a educadora.

Segundo ela, a música também proporciona às pessoas uma oportunidade de se tornarem melhores e mais comprometidas, seja em qualquer carreira. “No meu caso, que estudo há 23 anos, porque a gente nunca pode parar, a música trabalhou ainda a minha autoestima, o violino me mostrou o mundo. Participei de festivais na Inglaterra e na Holanda, passei um mês dentro de um castelo na Alemanha. Conheci teatros incríveis, com as melhores orquestras do mundo”, lembra a ex-integrante da Sinfônica de Heliópolis, que é regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky e já tocou ao lado de artistas como João Bosco, Racionais MC’s, Ivete Sangalo, Iza, Lenini, Zizi Possi e Wilson Simoninha.

UNIÃO DE LINGUAGENS

Na Escola Municipal de Iniciação Artística (Emia), que há quatro décadas atende gratuitamente alunos entre 5 e 12 anos, em seis unidades instaladas na cidade de São Paulo, o aprendizado de música está integrado ao de dança, teatro e artes visuais. Segundo a violinista e professora Adriane Krindges, que desde 2019 é uma das coordenadoras musicais da instituição, o foco da Emia está justamente na interlinguagem, na mistura de diferentes expressões artísticas. “Trabalhamos não somente repertório e técnica, mas diversos elementos que compõem o ritmo e a música popular, folclórica. Estimulamos que as crianças ouçam seu entorno, as paisagens sonoras que as circundam. Queremos despertar o ouvido delas também para escutar o próprio corpo e as sensações”, conta Krindges, que entrou na EMIA em 2000, como professora de violino e musicalização, tem bacharelado em música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap) e licenciatura em letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ao mesclar as quatro linguagens em atividades realizadas uma vez por semana, no contraturno escolar, os professores da Emia elaboram propostas que se conectam, para que os alunos levem suas próprias ideias e contribuições, e criem novos pensamentos. “Aprender música é adentrar um novo modo de expressão, que tem características bem específicas. Um coral, banda ou orquestra, por exemplo, envolve um jogo de escuta, pausa e silêncio. Você deve esperar o seu momento de tocar ou de cantar. E esses processos não são automáticos, é preciso ensinar o cérebro, os dedos e o corpo inteiro a reproduzirem notas com a voz ou com instrumentos”, explica Krindges, que começou a aprender música aos 12 anos, numa família de imigrantes sérvios. “Meu avô sempre quis ser músico, mas meu bisavô não o deixava. Minha mãe acabou virando violinista e eu também. Música é a minha vida”, enfatiza.

Atualmente, a EMIA reúne mais de 30 professores de música, que dão aulas de coral e instrumentos (violino, violoncelo, piano, bateria, percussão, flauta doce, flauta transversal, violão, ukulele, cavaquinho e guitarra) para 227 alunos. Ao todo, a instituição atende 950 estudantes, e o ingresso ocorre por meio de sorteio público, com inscrições online ao fim de cada ano. Metade das vagas são direcionadas a candidatos pretos, pardos e indígenas, 30% vão para escolas públicas e 20%, para ampla concorrência. Entre os ex-alunos famosos da escola, está a cantora, compositora e instrumentista Maria Gadú.

DESENVOLVIMENTO INTEGRAL

Ex-aluna e atual professora do Projeto Guri Santa Marcelina, que ensina música gratuitamente para crianças e jovens do estado de São Paulo, Thayná Campos dá aulas de teoria, canto coral e iniciação musical para turmas entre seis e 18 anos. “A música trabalha o senso de coletividade e pertencimento, contribuindo para o desenvolvimento integral do ser humano. Além disso, incentivamos nossos alunos a se sentirem livres para compor e criar. Quanto mais cedo a criança começa, em geral mais aberta, espontânea e sem filtros ela está para aprender. Com o passar do tempo, muitos de nós vamos nos podando e limitando”, ressalta.

Apesar disso, a professora reforça que não existe idade mínima nem máxima para começar a aprender música. “Desde a nossa vida intrauterina, já ouvimos sons. A partir dos quatro meses de idade, podemos trabalhar sonoridades, toques, gestos e a visão, por meio de objetos coloridos. Esses estímulos são muito importantes para o desenvolvimento infantil”, explica. À medida que o bebê vai tendo mais consciência de si e da alteridade, são inseridos novos elementos. “Com seis meses, a criança já consegue pegar coisas, sentir texturas, batucar, chacoalhar. Quando começa a andar, trabalhamos a questão da mobilidade, andar, correr, sentir o pulso. Aí vem a fala, os bebês imitam bichos, onomatopeias, tornam-se mais independentes. Exercitamos a imaginação, com desenhos e objetos, até o pensamento se tornar mais concreto e irmos para os instrumentos”, diz Campos, que é licenciada em música pela Faculdade Cantareira e entrou no Guri aos 12 anos, onde estudou por sete.

Criado em 1995, o Projeto Guri já atendeu mais de um milhão de crianças e adolescentes das redes pública e privada de ensino nesse período, com aulas duas vezes por semana em mais de 400 polos em todo o estado – cerca de 10%, na capital. “Como professora de canto, acredito que a voz é o nosso principal e mais poderoso instrumento. É incrível desenvolvê-la, descobrir o seu timbre, que é único. Aos poucos, os alunos vão deixando o medo e o nervosismo de lado, dominando a respiração, adquirindo consciência corporal e ampliando a percepção auditiva. O coral também ajuda na prática dos instrumentos, tanto que os alunos que tocam algo têm o canto como atividade obrigatória”, afirma Campos. “Além disso, para que o aprendizado seja efetivo, é essencial frequentar as aulas, além de estudar e praticar todos os dias em casa, nem que seja por 15 minutos. Na música, constância e regularidade são fundamentais”, aconselha.

Jean Ricardo

Alunos do Projeto Guri, que já atendeu mais de um milhão de estudantes em mais de 400 polos paulistas. Foto: Jean Ricardo

Férias musicais

CENTROS DE MÚSICA DO SESC SÃO PAULO OFERECEM PROGRAMAÇÃO ESPECIAL EM FEVEREIRO E ABREM INSCRIÇÕES PARA CURSOS REGULARES AO LONGO DO SEMESTRE

Até 9 de fevereiro, os Centros de Música do Sesc (nas unidades Consolação, Guarulhos e Vila Mariana) abrem suas portas para uma programação especial de férias, propondo a interação do público com instrumentos e sonoridades de diversos lugares do Brasil e do mundo. As atividades são direcionadas para todas as faixas etárias e incluem cursos, oficinas, vivências, bate-papos, masterclasses e exibição de filmes, entre outras opções.

Como destaca Laura Lopes, técnica em música da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, os Centros de Música consideram a ação cultural e a educação como pressupostos para a transformação social, com atividades focadas no aprendizado coletivo e democrático a partir da prática e da experimentação com diferentes instrumentos. “Dessa maneira, esses espaços contribuem não apenas para um primeiro contato com a linguagem musical, mas também para a socialização, o bem-estar e o entendimento da música como parte essencial do ser humano”, defende.

Criados em 1989 (Consolação), 1998 (Vila Mariana) e 2019 (Guarulhos), os três Centros de Música do Sesc São Paulo reúnem 29 salas de aula e estudos, 1.120 instrumentos e, em 2022 (último ano consolidado), atenderam 2.847 alunos em 195 ações. Há uma preocupação com a interdisciplinaridade com outras linguagens artísticas (como dança, artes visuais e literatura), além de favorecer a expressão, a sensibilidade e o protagonismo dos estudantes.

Renata Gobatti
Músico e luthier Afonsinho Menino conduz oficina de confecção de instrumentos no Sesc Guarulhos, dias 2 e 9/2. Foto: Renata Gobatti

Confira alguns destaques da programação musical deste mês:

Músicas do mundo – Vivência multicultural e intergeracional

Curso com Gabriel Levy e Fortuna que, por meio do canto e da expressão corporal, aproxima os participantes de músicas de diferentes partes do mundo a partir de um olhar lúdico e criativo.

De 6 a 9/2, terça a sexta, das 14h às 15h30. Inscrições abertas. GRÁTIS.

Masterclass com Nailor Proveta

Clarinetista, saxofonista, compositor, arranjador e líder da Banda Mantiqueira, Nailor Proveta aborda técnicas de sopros, repertório e improvisação na música popular brasileira. A Banda Mantiqueira também se apresenta no Instrumental Sesc Brasil, no Teatro Anchieta, dia 6/2, às 19h.

7/2, quarta, às 20h. No Centro de Música (1º andar).

Oficinas com Afonsinho Menino

Com mais de 30 anos de carreira, Afonsinho Menino é músico, compositor, luthier, educador e pesquisador. O público poderá aprender Confecção de Reco-Reco de Bambu e Confecção de Tambor com Cano de PVC.

Dias 2 e 9/2, sextas, às 16h. Retirada de convites uma hora antes. GRÁTIS.

BrincaMúsica

Com xilofones e pequenos instrumentos de percussão, o professor Valdir Maia propõe brincadeiras musicais. 

De 6 a 8/2, terça e quinta, às 15h. De 7 a 10 anos. No Centro de Música (Torre A, 2º andar). Entrega de senhas com 30 minutos de antecedência. GRÁTIS.

Cursos regulares dos Centros de Música do Sesc São Paulo:

De 20 a 23/2: pré-inscrições para cursos com conhecimentos prévios.
De 27/2 a 2/3: processo seletivo.
De 5 a 8/3: inscrições sem conhecimentos prévios para cursos livres e de iniciação.
De 12/3 a 29/6: período dos cursos (16 semanas de aula).
De 16 a 17/3: inscrições em vagas remanescentes (com e sem conhecimentos prévios).

Saiba mais: sescsp.org.br/centrodemusica

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