Exposição de Giselle Beiguelman utiliza IA na botânica clássica

30/12/2023

Compartilhe:

ARTISTA E PROFESSORA DA FAU-USP PESQUISA PLANTAS CONHECIDAS POR NOMES QUE NATURALIZAM PRECONCEITOS E EMPREGA IA PARA CRIAR SERES HÍBRIDOS

Por Luna D’Alama

Leia a edição de JANEIRO/24 da Revista E na íntegra

Ao visitar, durante a pandemia, um casarão na capital paulista tomado por trepadeiras, em uma ocupação do artista paranaense C.L. Salvaro, a também artista e pesquisadora Giselle Beiguelman avistou uma planta de que gostava muito, mas cujo nome desconhecia. Ganhou uma muda de folhas verdes e roxas da espécie Tradescantia zebrina e soube, então, que ela era conhecida popularmente como “judeu-errante”. O termo despertou um gatilho imediato em Beiguelman, que é judia. A partir daí, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) decidiu estudar exemplares da botânica que naturalizam preconceitos, misoginia, racismo, xenofobia, antissemitismo, colonialismo e projetos de poder. Encontrou uma série de espécimes no Brasil e no mundo, como Thunbergia alata (apelidada de “bunda-de-mulata”), Senecio jacobsenii (“trança-de-cigana”) e Impatiens walleriana (a popular flor “maria-sem-vergonha”), entre muitos outros – sobretudo para designar ervas daninhas, consideradas intrusas ou indesejadas.

Plantas insurgentes

Exposição Botannica Tirannica ocupa espaços do Sesc Taubaté e propõe reflexões sobre a interferência humana em espécies vegetais

Por meio de obras de Giselle Beiguelman que questionam as relações entre a ciência hegemônica e o colonialismo, historicamente presente na nossa percepção da natureza, a exposição Botannica Tirannica, em cartaz até 25 de fevereiro no Sesc Taubaté, demonstra que a botânica clássica não é um campo científico afetuoso nem inocente, como poderíamos imaginar. Ao classificar e nomear seres vivos, a taxonomia – assim como a linguagem popular – impõe visões de mundo e apaga narrativas. Dessa forma, utiliza as mesmas categorias usadas socialmente para legitimar discursos de ódio e o extermínio de grupos étnicos, por exemplo.

Segundo Juliana Braga, gerente da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo, Bottanica Tirannica é um importante projeto de pesquisa artística e de conscientização crítica sobre vieses preconceituosos que permeiam silenciosamente o nosso cotidiano. “Especialmente, em tempos de tantas violências e cristalizações de olhares sobre diferentes povos, grupos e suas histórias, é preciso saber denunciá-los”, destaca.

A curadoria da exposição no Sesc Taubaté é da arquiteta e mestranda pela FAU-USP Aline Ambrósio, que, assim como Beiguelman, pesquisa as intersecções entre arte e tecnologia. “Sou uma mulher afro-indígena de Minas Gerais e sempre tive um contato muito próximo com a botânica, com as florestas e os saberes ancestrais. Eu e Giselle mantemos uma troca muito rica, o que tem permitido a continuidade da pesquisa”, destaca. A atual versão, Botannica Tirannica, reúne sete núcleos focados em grupos de plantas cujos nomes fazem alusão a negros, mulheres, judeus, ciganos, colonialismo (império), LGBTQIA+ e idosos (etaristas). Os três últimos são os mais recentes, para os quais foram aproveitadas espécies nativas da própria unidade para constituir a mostra. Plantas como Thunbergia mysorensis (“sapatinho-de-judeu”), Dracaena trifasciata (“espada-de-são-jorge” ou “língua-de-sogra”) e a bananeira Musa paradisiaca, entre uma centena de outras, formam o Jardim da Resiliência, um espaço sensorial para convivência do público. Ao lado de cada espécime, uma plaquinha conta um pouco das histórias por trás das folhas.

“Trata-se de uma exposição viva, em permanente transformação. Trabalhamos com milhares de espécies, e esse diálogo deve ampliar-se na interação com os visitantes. As relações interespécies na natureza se assemelham às nossas relações sociais”, ressalta a curadora. “Essa exposição serve também para pensarmos sobre os corpos dissidentes e divergentes, sobre a cultura do padrão, ainda tão forte em nossa sociedade. Hoje minha pesquisa vai além, abrangendo ainda as plantas ‘proibidas’: as afrodisíacas, alucinógenas, venenosas”, completa Giselle Beiguelman, propondo novos desdobramentos ao projeto. Ainda em 2024, a exposição deve continuar sua itinerância e seguir para o Sesc Itaquera, na Zona Leste da capital paulista.

TAUBATÉ

Botannica Tirannica

Por Giselle Beiguelman. Curadoria de Aline Ambrósio.

Até 25 de fevereiro de 2024. Terça a sexta, das 9h às 21h30. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h30. GRÁTIS.

A EDIÇÃO DE JANEIRO/24 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!

Para ler a versão digital da Revista E e ficar por dentro de outros conteúdos exclusivos, acesse a nossa página no Portal do Sesc ou baixe grátis o app Sesc SP no seu celular! (download disponível para aparelhos Android ou IOS).

Siga a Revista E nas redes sociais:
Instagram / Facebook / Youtube

A seguir, leia a edição de JANEIRO/24 na íntegra. Se preferir, baixe o PDF para levar a Revista E contigo para onde você quiser!

Conteúdo relacionado

Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.