LEGADO CÊNICO | Julia Lemmertz celebra quatro décadas de carreira

30/11/2022

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Leia a edição de dezembro/22 da Revista E na íntegra

EM DEPOIMENTO PARA A REVISTA E, ATRIZ FALA SOBRE DEDICAÇÃO AO TEATRO, NOVO ESPETÁCULO E PAIXÃO POR MEXER COM A TERRA

Por Luna D'Alama

Aos 40 anos de carreira, completados em 2021, a atriz Julia Lemmertz celebra a vida, a família, os trabalhos em diferentes linguagens e sua mais nova paixão: mexer com a terra. Desde o início da pandemia, em seu sítio no interior paulista, ela planta, colhe, cultiva uma horta e produz mel. “É um motor [para mim], e acho que não vou deixar de ser atriz, mas é transformador olhar para a vida através da natureza, pôr a mão na massa. Descobri o meu lugar assim”, revela.

Outro espaço em que ela se sente em casa é o teatro. Entre setembro e outubro deste ano, Julia esteve em cartaz no Sesc Bom Retiro e no Sesc Guarulhos com a peça Tudo, escrita em 2009 pelo dramaturgo argentino Rafael Spregelburd, com tradução, adaptação e direção de Guilherme Weber. Em cena com Vladimir Brichta, Dani Barros, Claudio Mendes e Márcio Vito, Julia diz que o espetáculo – que toca em questões como burocracia, arte e religião – foi erguido em apenas 45 dias, para estrear em 1º de abril, no Festival de Curitiba. Logo depois, fez temporada no Rio de Janeiro.

Neste Depoimento, a atriz gaúcha, que consolidou sua carreira em terras cariocas, fala sobre teatro, latinidades e os 40 anos de carreira.

início

Quando comecei minha carreira, fazia de tudo o que pintava na frente, porque eu tinha que trabalhar, queria aprender. Eu vinha de uma família de atores: meu pai [Lineu Dias] foi ator e intelectual de teatro, minha mãe foi atriz. Mas isso não me dava credenciais para ser atriz. [No começo] era uma vontade meio escondida, porque meus pais eram tão geniais que eu falava: “Como é que eu vou ser atriz com esses pais?” Então [pensei em] ser outra coisa: veterinária, fonoaudióloga. Mas eu realmente queria fazer aquilo [atuar]. Fui trilhando meu caminho, errando, acertando, estudando à medida que dava. Conheci o Antunes [Filho] quando era criança, era meu “tio”, praticamente. Era um cara que eu amava, como uma pessoa que eu conhecia desde muito pequena. E aí fui vendo que era aquele [grande] diretor. Só que, quando o CPT [Centro de Pesquisa Teatral do Sesc] surgiu, eu já estava na lida fazendo tudo ao mesmo tempo: teatro, televisão, cinema, filhos. Tive a minha primeira filha [Luiza Lemmertz] com 24 anos. Não dava tempo de parar a vida. Minha formação foi muito na prática, então estou sempre correndo atrás, porque me sinto em formação sempre.

tudo

[A peça] obviamente não é sobre tudo, mas é sobre muita coisa. Ela dialoga com o presente, em que estamos colapsando. Em cada uma das questões que coloca [burocracia, arte e religião], engloba muitas outras. [Há] uma discussão gigante sobre valores, sobre como funciona a nossa sociedade, como a arte vira negócio. São provocações que ele [o autor] faz. Quem assiste ao espetáculo, não necessariamente tem as perguntas respondidas, [mas consegue entendê-las] dentro do seu universo, da sua capacidade, do seu mundo de interpretação e percepção. É muito interessante o efeito que [esse texto] tem no público.

farsa

Acho que essa é uma definição brilhante [de que a peça é uma comédia em ritmo de farsa, com valor de manifesto contra os costumes, nas palavras do diretor]. É exatamente isso, é uma farsa no sentido de que são três fábulas, só que sem animais. Mas são fabulares, porque estamos ali contando uma história para falar de muitas outras coisas. E, quando ele fala em comédia, tem aquela frase boa [popularizada pelo dramaturgo português Gil Vicente (1465-1536)], que diz: “Rindo a gente castiga os costumes”. A gente fala de costumes que são comuns na América Latina. A partir daí, o Guilherme [Weber] quis falar sobre a nossa seara. O público fica meio confuso, porque às vezes está rindo e fala: “Estou rindo disso, será que pode?” É ter essa sacação de que você está num momento de muitos desencontros com as suas próprias colocações, ideologias, com o que acha errado. A gente está [na peça] nesse lugar do caos.

Julia Lemmertz é a convidada da seção Depoimento, na edição de dezembro da Revista E. Foto: Flavia Canavarro.

“A coisa mais parecida com a vida é fazer teatro, porque você está vivo e presente no aqui agora”

julia lemmertz

narradores

Na peça original, o narrador era só uma voz, não estava presente ali. E o Guilherme escolheu fazer todos os narradores presentes, o que tornou o espetáculo mais interessante, mais maluco. Na primeira cena, também tem a história do dinheiro, é uma cena criada [para a versão brasileira], porque a discussão era sobre o dinheiro argentino. [Falamos de réis, cruzeiro, cruzeiro novo], cruzado, cruzeiro real, real. Mudou tanto, [foi] tão caótico. Além disso, na montagem do Rafael [Spregelburd] tinha mesa, cadeira, e a gente optou por fazer sem nada [de cenografia], para dar essa sensação de que toda a ação está no corpo. Ele personifica toda a forma de se colocar na vida e no mundo. Cada corpo fala por si e tem uma história.

diretor

Eu sou apaixonada pelo Guilherme [Weber]. É uma pessoa adorável, um cara inteligentíssimo, culto, engraçado, divertido. Um grande ator. Ele tem todas as melhores e maiores qualidades. É um diretor apuradíssimo, um cara sensibilíssimo. Como ator, ele entende profundamente os nossos caminhos, percalços, dificuldades. É muito generoso nesse lugar da paciência e do estímulo. Trabalhar com ele é um sonho, uma beleza. Esse espetáculo é tudo isso por causa do Guilherme, pelo que ele incita na gente. Ele é muito hábil e dá muita liberdade para todo mundo. Então, é lindo ver ele despertando o melhor de cada um. Fui apresentada a esse texto por ele em 2019. Planejamos fazer uma leitura naquele momento, mas ficou para depois.

latinidades

[O Brasil age] como se não fosse América Latina. O fato de a gente ter a língua portuguesa faz com que pareça que a gente não faz parte [de uma mesma região]. Somos um país continental, gigante, que abarca muita coisa e que não se leva a sério também. Acho que os argentinos, os chilenos, todos se levam muito a sério. Então, confrontar isso, falar sobre isso, sob um olhar argentino, faz com que a gente una a nossa galhofice com um olhar crítico. [A peça] é um espelho, mas uma crítica também. Uma forma de falar: “Olha, isso aqui não está bom, olha de onde viemos. E para onde vamos?” Há personagens erradíssimos e controversos falando coisas muito importantes. Existe uma sintonia fina entre a crítica e o deboche. A particularidade de cada fábula é fazer com que ela chegue a um lugar de profundidade, de espelhar um momento que não existe só agora, ele vem sendo construído, é atávico.

tablado

Eu realmente gosto de fazer tudo [teatro, novela, cinema, série], de interpretar bons papéis. Mas acho que, talvez, o teatro seja um lugar de maior aprendizado para mim, onde eu me sinto fazendo algo braçal. É físico, intelectual, espiritual, sensível. Um espaço de sentimento e de crescimento pessoal, é muita coisa junta. Não é que o teatro seja o meu lugar preferido – às vezes dói, é difícil, conturbado, violento. Tudo isso. Mas é sempre prazeroso e transformador. Você está sempre no fio da navalha, sendo desafiada, questionada. Sempre tentando ser o melhor de você ali, diariamente. E não adianta fazer um dia bom, isso não garante que o dia seguinte não possa ser um desastre. Não é a busca pela perfeição, porque a perfeição não existe, mas você também não pode se acomodar com aquilo, porque a repetição pode te dar um certo conforto. [O piloto automático] existe, mas não pode. A coisa mais parecida com a vida é fazer teatro, porque você está vivo e presente no aqui agora. Às vezes, vivendo coisas com que você jamais sonhou. No entanto, está ali defendendo aquilo, falando aquelas palavras, tendo aquela emoção. É fascinante. Não é que eu prefira o teatro, mas ele me dá muito em troca.

40 anos

No meio da pandemia, completei 40 anos de carreira. Percebi de um jeito meio tosco, porque comecei a postar trabalhos antigos meus no Instagram, para falar sobre arte e cultura, e publiquei uma foto do primeiro espetáculo que fiz em São Paulo, Lição de Anatomia. Eu tinha 19, 20 anos. Tirei foto da foto, era uma imagem física e, quando olhei, estava ali: 1981. Falei: “Ih, caramba, 40 anos!” Aí me dei conta de que eu estava fazendo 40 anos [de carreira] naquele momento. Comemorei internamente e falei: “Oba, que bom, estou aqui, 40 anos depois ainda sou atriz, estou trabalhando, descobrindo coisas. Ainda tem tanta coisa para fazer”. [O mais] importante é você estar ativa, na luta, na busca das coisas. Ainda há tanto por fazer, né? Naquele momento, comemorei por estar viva, não ter pego Covid-19, não ter perdido ninguém da família. Eu estava preocupada com o entorno, com o mundo, com o planeta, com tudo.  

A EDIÇÃO DE DEZEMBRO/22 DA REVISTA E ESTÁ NO AR!

Neste mês, discutimos como os cursos livres de EAD (educação a distância) democratizam o acesso ao conhecimento, aproximam especialistas em diversas áreas de alunos interessados em se capacitar em novos saberes, e com isso ampliam o repertório cultural. A reportagem principal de dezembro aproveita o crescente número de matriculados em espaços de educação a distância, principalmente depois da pandemia, para apresentar a plataforma EAD do Sesc São Paulo, onde estão disponíveis, gratuitamente, 13 cursos livres.

Além disso, a Revista E de dezembro/22 traz outros conteúdos: uma reportagem que mostra como manuscritos borram a fronteira entre documento e obra de arte, propondo um olhar possível por entre frestas do tempo; uma entrevista com o diretor Miguel Rubio Zapata sobre as convergências do teatro peruano com o Brasil e a defesa da criação coletiva como atitude, e não método; um depoimento com a atriz Julia Lemmertz sobre os 40 anos de carreira e a dedicação ao teatro; um passeio visual por imagens que celebram o legado do pensador utópico Darcy Ribeiro no ano em que ele faria um século de vida; um perfil do romancista Lima Barreto, morto há 100 anos e um dos mais brilhantes nomes da nossa literatura; um encontro com o canto sagrado da cantora Virgínia Rodrigues; um roteiro por cinco espaços culturais da capital paulista que mantêm lojas e livrarias abertas ao público; um conto inédito da escritora e poeta Eliane Potiguara; e dois artigos que refletem sobre a coragem.

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