Plínio Marcos, o dramaturgo maldito

11/01/2023

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Arte: Frederico Zarnauskas

Nesta coluna, a jornalista Celia Moreira dos Santos apresenta textos sobre encontros e situações que vivenciou em sua carreira, atuando no campo cultural em artes, teatro e música.

por Celia Moreira dos Santos*

Considerado o teatrólogo maldito, Plínio Marcos de Barros teve quase todas as suas peças censuradas. Antes de se tornar referência no mundo teatral brasileiro, foi funileiro, camelô, palhaço de circo, jogador de futebol, serviu na Aeronáutica e chegou a jogar na Portuguesa Santista, time de sua cidade natal, Santos – SP. Falecido em 1999, aos 64 anos, era também ator, diretor e jornalista.

Em 1958, por influência da escritora e jornalista Pagu, começou a se envolver com teatro amador em Santos. Nesse mesmo ano, veio a primeira inspiração para uma peça. Um jovem havia sido currado na cadeia e escreveu “Barrela”, que permaneceria proibida durante 21 anos.

Para se defender financeiramente, trabalhou como camelô. Fez um pouco de tudo em teatro, administrador e faz-tudo, em grupos como o Arena, a companhia de Cacilda Becker e o teatro de Nydia Lícia. Em 1965, conseguiu encenar “Reportagem De Um Tempo Mau”.

Trouxe à cena o submundo, marginalidade, prostituição e violência de São Paulo. Era, segundo ele mesmo afirmava, “figurinha difícil”. Declarava: “Eu nunca fui um escritor profissional. Morreria de fome se fosse viver dos meus livros. Teria de acabar fazendo milhares de concessões, mas camelô, ah! isso eu sou bom; vendo meus livros, dou autógrafos e prometo morrer logo para valorizá-los”.

Por diversas vezes, eu o vi. Livros nas mãos, passando de mesa em mesa, para vendê-los, no Restaurante Gigetto, na época, um reduto absoluto dos encontros da classe teatral, antes e depois dos espetáculos. Ficava na Rua Avanhandava, na região central de São Paulo.

Com todas as suas peças proibidas pelo regime militar, quase desistiu da carreira de dramaturgo. Na década de 80, quando o governo militar chegou ao fim e suas peças foram liberadas, Plínio novamente surpreendeu. Escreveu “Jesus Homem” e “Madame Blavatsky” nas quais mostra seu lado mais espiritualista. Em 1985, ganhou os prêmios Molière e Mambembe pela peça “Madame Blavatsky”.

Como jornalista, Plínio escreveu nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de S. Paulo, Folha da Tarde, Diário do Povo (Campinas), e também na revista Veja, além de colaborar com diversas publicações, como Opinião, O Pasquim, Versus, Placar e outras.

Depois do fim da censura, o dramaturgo continuou a escrever romances e peças de teatro, tanto adulto como infantil. Tornou-se palestrante, chegando a fazer 150 palestras-shows por ano, vestido de preto, portando um bastão encimado por uma cruz e com aura mística de leitor de tarô.

Abajur Lilás

Suas obras se destacavam pela denúncia e protesto contra as formas de organizações sociais. Suas principais peças são “Dois Perdidos Numa Noite Suja” (1966), “Navalha Na Carne” (1967), “Balbina De Iansã” (1971) e “Abajur Lilás” (1976).

Eu o conheci em razão da peça ‘O Abajur Lilás’, que mobilizou toda a classe teatral, tornando-se símbolo da resistência à censura. A ação tem lugar no prostíbulo de Giro, um homossexual desapiedado que conta com Osvaldo, um segurança violento, para fazer valer sua autoridade ali. Em estado de extrema degradação humana, três prostitutas tentam sobreviver. Dilma se apega aos valores e ao filho que precisa criar; a rebelde e inconsequente Célia só deseja tomar o prostíbulo e o poder para si; Leninha é novata no lugar, individualista e parece não se abalar com os conflitos alheios. Tudo se complica quando um abajur aparece quebrado no dormitório e nenhuma das três assume a culpa.

O Jornal do Brasil, onde eu trabalhava me deu como pauta uma entrevista com Plinio Marcos, justamente para falar sobre a peça e a censura. Liguei para ele que concordou com a entrevista e me chamou para jantar em seu apartamento para conversarmos. E lá fui eu, encontrar com ele no apartamento na Aclimação. Quem cuidou do jantar foi sua mulher, a atriz Valderez de Barros, com quem foi casado por vários anos e com a qual teve três filhos. Plinio foi logo dizendo: “Se não liberarem o Abajur Lilás, sou um ex-dramaturgo. Escreve bem assim, quero mesmo incomodar.” Ao que Valderez retrucou: “Eu é que não vou viver ao lado de um ex-dramaturgo.” Mas ele não parou.

Dizia: “Um povo que não ame e não preserve suas formas de expressão mais autênticas, jamais será um povo livre”. Frase sua ao lado de seus companheiros de batuque Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, em uma das faixas do álbum “Plínio Marcos em Prosa e Samba – Nas Quebradas do Mundaréu”, gravado em 1974. A obra canta a história do samba da Pauliceia e de sua gente, tornando-se um registro indispensável para quem quiser se aprofundar e se encantar com o samba da cidade de São Paulo.

Navalha na Carne

Seu segundo grande sucesso “Navalha na Carne” foi inicialmente proibido, mas contou com a mobilização de ilustres figuras da classe teatral como Cacilda Becker e Walmor Chagas, sendo liberada para estreia em 1967. Neste mesmo ano ainda são montadas suas peças “Quando as Máquinas Param”, no Teatro de Arte, sala pequena do TBC, e “Homens de Papel”, com Maria Della Costa interpretando a catadora de papel Nhanha, pelo Teatro Popular de Arte – TPA.

Em 1968, algumas de suas peças também geraram polêmica como: “Jornada de um Imbecil até o Entendimento”, encenada por João das Neves do Grupo Opinião; e “Abajur Lilás”, dirigida por Antônio Abujamra.

Religiosidade

A partir de 1979, há uma mudança em sua carreira. Plínio desenvolveu um interesse por assuntos esotéricos e pela leitura do Tarô, o que culminou na escrita de uma peça “mais tranquila” do ponto de vista político chamada “Sob o Signo da Discoteque”. Ainda nessa sua ‘segunda fase’, como classificam os críticos, são produzidas “Madame Blavatsky” (1985), dirigida por Jorge Takla, e “Balada de um Palhaço” (1986), com direção de Odavlas Petti.

No programa da peça “Madame Blavatsky”, escreveu a respeito de seu interesse por temas místicos: “Sou um homem à procura da religiosidade. Dispensa-me dos rótulos, por favor, e eu te explico que a religiosidade nada tem a ver com seitas, igrejas, grupelhos carolas, fanáticos acorrentados a dogmas e superstições. A religiosidade nada tem de alienação, conformismo ou adaptação a um sistema político-social-econômico injusto. Aliás, a religiosidade é altamente subversiva. A religiosidade leva o homem ao autoconhecimento. E o autoconhecimento leva o homem à subversão”. “Eu mudei no sentido de que sempre acreditei que o homem desperto tem o dever de ser mutante. Como espero continuar sempre mudando. Mas, os valores que dignificam o homem e que eu preservava, esses permanecem. Continuo, com a graça de Deus, com a coragem de dizer o que penso, sem fazer nenhum esforço para agradar aos poderosos, aos grupos políticos ou religiosos.” “Tento chocar. Com muito vigor. Não faço isso por política. Faço isso por religiosidade”.

Dom Hélder Câmara, depois do espetáculo a que assistiu no Recife, fez questão de declarar para a imprensa que a peça “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, devido à sua religiosidade, valia por vários sermões e até missas.

Plinio: “Eu tentei fazer um teatro com a religiosidade exposta com maior clareza. Escrevi ‘Dia Virá’, uma peça sobre o Senhor Jesus Cristo, com as meninas do colégio Des Oiseaux, um colégio de freiras, escrevi ’Balbina de Iansã’, sobre o candomblé. Depois, fiz também Jesus-Homem [segunda versão de Dia Virá], com debates todas as noites depois do espetáculo, com pessoas de todas as crenças. E agora vamos com a Blavatsky.”

Em 1970, quando escreveu Balbina de Iansã, esteve envolvido com candomblé e umbanda. Mesmo antes, já se interessava por esses temas, tendo escrito uma peça sobre a vida dos orixás para o “TV de Vanguarda”, da TV Tupi.

Tarô

Plínio aprofundou seus conhecimentos em esoterismo lendo livros sobre magnetismo, cura através dos metais, das cores, Do-In – e Tarô. Estudou os pontos de energia da Medicina Chinesa e, como possuía forte poder mental, passou a usá-lo para energizar as pessoas, para fazer massagens, aliviar dores. Com o tempo, acabou criando um método próprio de leitura de Tarô, que aliava ao seu poder de magnetização.

“O Tarô eu aprendi naquele tempo de circo, e fui trabalhando com ele, trabalhando, trabalhando, até que de uns anos pra cá [1997], passei a ser profissional, a viver disso. E comecei a arrumar clientes, essa coisa toda, a brincar, porque o meu negócio sempre foi brincar.” “O Tarô é uma arte subversiva.” “O que o Tarô faz mesmo é ajudar no autoconhecimento.” “Com magnetismo a gente até cura. Tem um lado espiritual e outras coisas, cura mesmo. Eu atendi muitos casos de câncer. É que não vai curar mais porque está num estado terminal, mas eu tirava a dor mesmo.” “Mas isso não é um poder. É bioenergética. É uma ciência que você estuda, aprende e faz. Isso é o que estamos fazendo. Agora, o cara entende como quiser, se ele pensa que a gente é mestre, médium…”

No começo da década de 90, criou o curso “O Uso Mágico da Palavra”. E dava oficinas em vários lugares, continuando com sua tradição de mambembeiro e camelô, porque nunca deixou de vender seus livros.

Óperas

O Theatro Municipal de São Paulo, pela primeira vez em 111 anos, apresentou duas óperas encomendadas pela casa, ambas inspiradas em peças de Plínio Marcos: ”Navalha Na Carne”, de Leonardo Martinelli, e ”Homens De Papel”, de Elodie Bouny. A direção musical do espetáculo foi de Roberto Minczuk, à frente da Orquestra Sinfônica Municipal e do Coro Lírico. ”Navalha Na Carne” foi dirigida por Fernanda Maia. No elenco, o tenor Fernando Portari, o barítono Homero Velho e a mezzo soprano Luisa Francesconi.

Já ”Homens De Papel” contou com direção de Zé Henrique de Paula e tem, entre os solistas, todos membros do Coro Lírico, o barítono Sebastião Teixeira, a soprano Elaine Morais, a mezzo soprano Lidia Schäffer, o tenor Fernando de Castro e o baixo Diógenes Gomes, entre outros.

“Navalha Na Carne” narra a história da prostituta Neusa Sueli, do gigolô Valdo e do homossexual Veludo. Já ”Homens De Papel” põe no palco um grupo de catadores de rua, explorados no trabalho. “Algozes truculentos e vítimas pisoteadas alternam-se, em cada célula ou lance dos enredos, para escalonarem e desvendarem as intimidades da outra figura; desvendamentos cada vez mais cruéis, pérfidos ou insidiosos, cujos objetivos são levar o outro ao martírio, isolá-lo num cúmulo de solidão e desamparo que, não raro, atinge as raias da condição abjeta”, escreveu o crítico Edelcio Mostaço sobre os personagens de Plínio Marcos.

“O apogeu destes círculos de opressão que se estreitam é insuflado pelas alternâncias entre as personagens, onde algozes e vítimas intercambiam seus papéis, batalha que só terá fim num confronto armado entre as figuras e do qual sobreviverá o mais apto. A dramaticidade de Plínio não admite soluções de compromisso ou acomodamento, apenas o rompimento dos vínculos, onde apenas a morte ou o aniquilamento de um dos polos tencionais pode representar a libertação”, completou.

É essa interação entre as personagens que interessa em especial à diretora Fernanda Maia, responsável pela encenação de ”Navalha Na Carne”. “No teatro, as encenações costumam dar à violência dos personagens o papel preponderante. Aqui, até mesmo pela fisicalidade específica que o canto exige, procurei também explorar essa interação, essas relações de poder entre eles, o modo como o oprimido muitas vezes mimetiza o papel do opressor.”

*Celia Moreira dos Santos: Jornalista que trabalhou durante anos com produções de textos diversos e entrevistas especiais para as revistas Veja, Exame, Claudia, Afinal, Playboy, UP Date e o jornal Folha de São Paulo.

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