com 33 anos de HISTÓRIA, TRUPE de atores-palhaços segue acreditando na criação coletiva, no papel transformador do riso e no diálogo com o público
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Por Luna D’Alama
fotografias CUCA NAKASONE
Formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, Hugo Possolo trocou uma possível carreira em redação de jornal para cursar o Circo Escola Picadeiro, na década de 1980. Começou a ensinar teatro para crianças em escolas e a passar o chapéu nas ruas do Centro de São Paulo, em apresentações de palhaçaria. “Ia para a Praça da República, para o Parque Ibirapuera, e fazia rodas inspiradas nos pastores evangélicos e nos tocadores de flauta bolivianos”, lembra, aos risos, o ator, palhaço, diretor, dramaturgo e gestor cultural, que fundou o grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões (hoje apenas Parlapatões) em 1991, ao lado de Raul Barretto e outros colegas.
Em 33 anos de trajetória, a trupe – pela qual já passaram artistas como Bárbara Paz e Ângela Dip – montou cerca de 65 espetáculos apresentados em todo o país, além de realizar mostras e festivais com peças diversas e elencos de vários tamanhos (de três a 30 artistas em cena). Desde 2006, as montagens ocorrem no Espaço Parlapatões, que se instalou no lugar de uma antiga padaria, no coração da Praça Roosevelt. “Assim como [a companhia de teatro] Os Satyros, nós revitalizamos essa parte do Centro sem fazer gentrificação, mas ocupando a calçada com cultura e boemia, duas coisas que estão intimamente ligadas ao convívio das pessoas”, destaca Possolo. Também com o grupo de teatro vizinho e outras companhias, o diretor criou a Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), que administra a SP Escola de Teatro, na mesma praça.
Espetáculos criados nos primeiros 25 anos de existência do grupo foram registrados em imagens, nos anos de 2003, 2016 e 2022, pelo fotógrafo e ator Cuca Nakasone, e reunidos recentemente no livro Parlapatões: No Ato (Edições Sesc São Paulo, 2023) [Leia mais em Registros do efêmero]. Na essência do coletivo, estão a comicidade contemporânea e um perfil político-social que se vale do teatro de rua e da palhaçaria para potencializar outras dramaturgias, como define Possolo. “Acredito no papel transformador do riso, na bufonaria, na provocação. Nunca se deve dizer que algo ‘é só uma piada’, pois eu vivo disso. As piadas precisam ter um sentido e estar apontadas para o alvo certo. Falamos para uma plateia diversa, tanto de faixa etária quanto de classe social. Nossas propostas são espetáculos híbridos entre o palco e a rua, entre a criança e o adulto”, conta Possolo. Hoje, a trupe reúne cerca de 20 integrantes, mais a produção e a equipe técnica.
Segundo o diretor, que se autodenomina “síndico” de um projeto com criação coletiva, o diálogo franco e aberto do Parlapatões com o público, cuja interação com os atores-palhaços acontece de forma lúdica, vem cativando as novas gerações. “O palhaço é um arquétipo que existe em todas as culturas, sejam ocidentais ou orientais. A dupla clássica é formada pelo palhaço branco e pelo augusto, ou clown e excêntrico. Eu me revezo, mas faço bastante o excêntrico, o fora de centro, desorientado. A diferença entre eles é que ambos erram, mas o clown não admite e põe a culpa no outro. Isso dá um jogo cômico forte e interessante”, explica o cofundador do Parlapatões, que já foi secretário municipal de Cultura e diretor-geral da Fundação Theatro Municipal de São Paulo.
Também na opinião de Possolo, grupos como o Parlapatões representam uma mudança de ângulo de visão para a sociedade, que pode rir até dos assuntos mais difíceis e espinhosos, questionando-os. “Nosso riso não objetiva afirmar nem reafirmar preconceitos. E, quando erramos, pedimos desculpas, não tentamos nos justificar. Somos um coletivo dedicado à formação de repertório, e o que era inicialmente um grupo de rapazes passou a entender o mundo de outro jeito, com maior diversidade de gêneros, raças e corpos”, finaliza o palhaço, que completa 62 anos em 2024.
EM MAIS DE 140 FOTOGRAFIAS, LIVRO DOCUMENTA ESPETÁCULOS CRIADOS NOS PRIMEIROS 25 ANOS DE HISTÓRIA DO GRUPO PARLAPATÕES NA CAPITAL PAULISTA
Imagens captadas pelo fotógrafo e ator Cuca Nakasone em 2003, 2016 e 2022 apresentam ao leitor uma narrativa imagética da trajetória do grupo de teatro paulistano Parlapatões. O resultado pode ser conferido no livro Parlapatões: No Ato (Edições Sesc São Paulo, 2023), que reúne registros de 17 espetáculos (entre comédias e dramas), figurinos e do Espaço Parlapatões, na Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo. Textos do dramaturgo, diretor e crítico Aimar Labaki, do escritor e pesquisador Carlos Rahal e do ator e diretor Hugo Possolo ajudam a contar essa história, que passa pelo engajamento político, pela estética circense e pelo uso do humor como instrumento para a crítica de costumes.
“Fiz a maioria das fotos ao longo de duas semanas, de quinta a domingo, durante uma mostra comemorativa, e enxerguei ali a possibilidade de continuar documentando a história do teatro brasileiro”, afirma Nakasone, que lançou em 2015, também pelas Edições Sesc, O TAPA no Arena: Repertório em Imagens, sobre o Grupo TAPA. De acordo com o organizador, que também é mestre em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-professor de fotografia nas faculdades Belas Artes e Cásper Líbero, é fascinante unir teatro e fotografia – a primeira, uma arte efêmera e a segunda, duradoura. “No teatro, tudo é ágil e instável, enquanto a fotografia eterniza o momento. O registro fotográfico em um livro fica para a história e ainda mantém viva a memória do teatro brasileiro”, avalia.
Nakasone também elogia a qualidade “impecável” do trabalho do Parlapatões. “São atores-palhaços com muito treino, estudo, estrada. Já se apresentaram em ruas, praças e ônibus, com plateias lotadas. É uma trupe para lá de organizada, e com um espaço incrível, algo raro em outras companhias, infelizmente”, destaca o fotógrafo. Entre os espetáculos preferidos de Nakasone, inclusos no livro, estão Os Mequetrefe (2015), dirigido por Alvaro Assad, com roteiro de Hugo Possolo – cujo registro ilustra a capa – e PPP@WllmShkspr.Br (1997), com texto de Adam Long e direção de Emílio Di Biasi, que apresenta a obra completa (e compactada) do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), em versão brasileira. “Os Mequetrefe é muito criativa, um balde vira uma geladeira, um fogão, uma panela, uma cozinha inteira. Uma escada se torna um trilho de trem, é uma surpresa atrás da outra. Já PPP@WllmShkspr.Br teve mais de 500 apresentações pelo país, o Hugo faz uma Julieta impagável, a plateia vai ao delírio”, cita o organizador.
Como escreveu o pesquisador e curador de fotografia Rubens Fernandes Junior na orelha do livro, “[Nakasone] flagra o momento decisivo em que há uma fina sintonia entre iluminação, cenário, sonoridades, movimentos, expressões e gestos singulares. Plena sincronicidade em que a convergência das variáveis torna sua fotografia um documento histórico para a cultura brasileira”.
Este é o segundo livro sobre a trajetória do grupo. O primeiro, Riso em cena: dez anos de estrada dos Parlapatões (Estampa Editora, 2002), foi organizado pelo jornalista e crítico Valmir Santos e lançado com apoio do Sesc São Paulo. E Possolo já planeja mais um, “chapa-branca”, em que a trupe pretende narrar sua própria história.
EDIÇÕES SESC SÃO PAULO
Parlapatões: No Ato (2023)
Por Cuca Nakasone (org.)
Acesse o site das Edições Sesc São Paulo para adquirir o livro.
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